(*) Ucho Haddad –
Coerência é mercadoria em extinção. E essa escassez torna-se mais evidente quando o assunto é futebol, o anestésico da consciência popular, a válvula de escape de sete entre dez terráqueos. A situação ganha o contorno da complexidade quando na mira das discussões está o Corinthians, um dos mais populares clubes de futebol dessa louca Terra de Macunaíma.
Há alguns anos, decidi não mais me importar com determinadas declarações. Percebi que perder tempo com situações absurdas é cultivar a utopia da vizinhança e dar importância a quem não merece. Mesmo tendo a essência da solicitude, me permito a esses momentos de exceção porque já passei dos 50 e quero, na medida do possível, viver o tempo que resta sem aperreios, sem gente me atormentando com coisas banais. Contudo, cumprirei essa etapa da vida agarrado à coerência. O que para muitos sempre é uma chatice. Por isso também me dou o direito de protestar contra o que discordo.
Como é do conhecimento de muitos, o meu time do coração, há mais de quatro décadas, é o Corinthians, o que não significa que torço contra os adversários figadais e históricos do alvinegro paulistano. Mesmo assim, reconheço que essa não é a postura da extensa maioria dos apaixonados pelo esporte bretão.
Quando o Corinthians perde uma partida ou é eliminado de uma competição, como aconteceu recentemente na Copa Libertadores da América, os adversários comemoram o feito como se tivessem vencido uma guerra, conquistado o mais cobiçado de todos os prêmios. Provavelmente agem dessa maneira porque não têm o que comemorar. E contentar-se com a derrota alheia é o cardápio dos fracos de personalidade. A vitória é irmã siamesa da derrota, é verdade, mas sempre busco pensar no melhor, naquilo que é mais positivo.
Não sou daqueles torcedores míopes que não conseguem enxergar o óbvio. O Corinthians estava a um passo do rebaixamento no futebol nacional, em 2007, e torci para que isso de fato acontecesse. Loucura? Não, apenas exercício da coerência. Reformar uma casa com os pilares comprometidos é uma operação de risco e de reduzidas chances de sucesso. Por isso disse ao então presidente do clube, Andrés Sanchez, que o melhor seria começar a obra pelo alicerce. Parece que deu certo. Bola de cristal? Não, pensamento coerente e desprovido do ufanismo ignaro.
Quando o Corinthians vence uma partida ou conquista um campeonato, as primeiras declarações são sempre as mesmas: que a arbitragem auxiliou o alvinegro. Atitude típica desses falsos profetas que regurgitam teorias do absurdo. Em segundo momento, sem muito tempo a perder, surgem os órfãos de imaginação para repetir a cantilena de sempre: que a cidade ficará tranquila em termos de segurança porque os ladrões estarão comemorando a conquista do time de Parque São Jorge.
Então é assim: na torcida do Corinthians só tem ladrões, marginais, trombadinhas, assassinos, sequestradores, traficantes e outros quetais, enquanto as dos outros clubes, adversários do Timão, reúnem apenas integrantes da realeza, punhos de renda, herdeiros de Aladim, sobrinhos da Madre Teresa de Calcutá, gente da mais fina estirpe social. Quem pensa dessa maneira mostra de forma indiscutível a vocação para ser ladrão da coerência, assassino da lógica, sequestrador da honra alheia, traficante da incompetência. Por isso caem como luva na torcida dos clubes que tentam apagar o brilho do Corinthians.
Fiquem onde estão e não queiram ser complacentes com o Corinthians, o clube de “bandidos” que desperta a ira desses saltimbancos da dignidade dos torcedores e venceu, em menos de um ano, o Campeonato Brasileiro, a Copa Libertadores, o Mundial Interclubes e o Campeonato Paulista. Torçam contra, pois continuarei afirmando que o rebaixamento do Palmeiras foi uma pena diante da grandeza do clube, assim como é inaceitável que o despotismo reinante no SPFC patrocine o fracasso seguido do clube.
Perder faz parte do jogo, de todos os jogos da vida, é o caminho mais certo e sereno rumo à vitória. Vencer não é chegar à frente dos outros, não é alcançar um objetivo de maneira fácil e vil. Vencer é tarefa para poucos. Reconhecer a vitória alheia é privilégio de uma seara reduzidíssima, ínfima, frequentada por quem não vê problema na alegria do próximo. Mas esse exercício é exclusividade de quem sabe mesclar alma com razão.
Como não vivo em conflito com a minha consciência e nem faço do divã do analista mais próximo o meu leito sagrado, continuo acreditando que respeitar a opinião de outrem é a melhor maneira de seguir adiante. Aos que discordam desse modus vivendi, que insistam na teoria burra de que quando o Corinthians vence a Pauliceia Desvairada fica menos violenta. Com esses pensamentos intolerantes e desconexos é que as vitórias alvinegras ganham sabor especial. E salve o Corinthians, que não é clube para qualquer um!
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista político, cronista esportivo, escritor e poeta. Paulistano da gema, nascido às margens do riacho do Ipiranga, é corintiano há quase cinquenta anos e respeita todos os adversários.