Políticos – Um convite ao brincar?

(*) Lígia Fleury –

Entendo por ética a conduta que expressa consciência moral, referindo-se ao caráter, à conduta humana que denota o bem e o mal.

Nas escolas, normalmente o que se espera, é que ética seja desenvolvida no cotidiano, por meio de ações que exigem a reflexão entre o certo e o errado, a conduta individual que não prejudica o outro, a percepção das condutas que respeitam regras da sociedade para o senso comum.

Temos, infelizmente, uma triste realidade no Brasil e não tenho certeza se todos os senhores políticos a conhecem. Por isso, a exponho. É sobre a Educação, aquele tema que faz parte do tripé que os senhores idolatram apenas em ano eleitoral e prometem mundos e fundos.

Tentem, senhores políticos, lembrar das salas de aula de suas escolas, quando eram alunos e me ajudem nessas respostas, por favor:

1) Havia goteiras na sala de aula?

2) Os banheiros tinham portas, água, sabão, lixo?

3) A merenda era gostosa, nutritiva?

4) Os professores eram respeitados?

5) Havia biblioteca?

6) Esporte era importante?

7) Pais participavam do cotidiano escolar?

8) Professores tinham qualidade em sua formação?

9) O holerite do professor causava orgulho ou vergonha?

10) A imprensa denunciava descaso com a Educação?

Talvez eu consiga imaginar suas respostas e, se eu estiver correta, espero que sintam-se envergonhados ao menos para si mesmos. Sou brasileira, não desisto nunca; preciso acreditar que nem todos os senhores riem do povo ao se olharem no espelho!

Acredito muito que “quem não ajuda, não atrapalha”. Mas a maioria dos senhores, além de não ajudar em absolutamente nada para que possamos melhorar a aprendizagem de nossos alunos, atrapalham muito. Vejam:

Como fica o professor quando precisa refletir a ética com seus alunos em uma situação de desrespeito entre os colegas? Imaginem o debate nessa sala sobre idoneidade, respeito, caráter, a importância de todos se respeitarem, quando alguém lembra que somos o país do “jeitinho”, da corrupção?

Em 27 de fevereiro, fomos brindados com as ofensas na Câmara dos Deputados, quando um dos senhores se dirige ao colega como “canalha”. Acreditam mesmo que a população não lê jornais, não ouve notícias, não acessa internet? Podem lembrar, por um instante ao menos – pode ser no momento que recebem seu holerite – que em seu trabalho representam um povo que os elegeu?

Que saia justa para o professor! Naquele momento, além de ser educador, precisa ser SUPER HOMEM, para recorrer a algum super poder e sair dessa situação com categoria! Além de Professor, é também Herói!

Na nossa jornada de múltiplos papéis em uma única profissão – educadores, heróis, mágicos e artistas circenses entre outras tantas -,sim, a escola às vezes se assemelha ao circo, somos também equilibristas, sem o sermos.

Em uma conversa sobre caráter, princípios e política, acredito que se faça necessário debater pontos da História que ilustrem nosso atual sistema político. Com a informação ao alcance dos alunos, algum sempre questiona: “Mas e a ficha limpa? A do senhor fulano de tal é bem mais suja que a minha aqui na escola; ele está lá e a punição dele foi ser empossado apesar de todas as denúncias que pairam sobre ele no quesito corrupção? E eu tenho que ser ético?…” ou ainda “ A escola está falida; nem o presidente completou seus estudos!”… Sim, vocês, nós, temos que ser éticos, temos que estudar, temos que nos unir para garantir o bem comum e contribuirmos para a melhora da Educação.

Outro rico momento na escola é o debate sobre a sexualidade, o respeito ao próprio corpo e ao outro, os cuidados com a saúde, sempre associado a princípios e valores. No auge da reflexão, vem a pérola : “Mas tem político aí dizendo estupra mas não mata!”

Mudamos o foco e resolvemos discutir a importância da leitura e da escrita. Lá vem outra: “Sou filho de mãe que nasceu analfabeta”. Essa frase, tendo sido dita por um Presidente da República que sequer concluiu seus estudos, mas chegou lá, transforma a aula, naquele momento, em um circo! Óbvio!

Mágico também, quando percebe que precisa sobreviver com aquele holerite.

¹ “O congressista brasileiro é o segundo mais caro em um universo de 110 países. É o que aponta estudo realizado em 2012 pela Organização das Nações Unidas (ONU) em parceria com a UIP (União Interparlamentar), divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo.”

Já fizeram as contas de quantos holerites de professores cabem em único dos senhores? Cálculo mental, mas com tantos zeros nos dos senhores, será permitido o uso da calculadora.

O aluno chega à escola com fome porque em casa não havia comida para todos. Espera a merenda; mas não tem nem cozinha! Merenda? Já fizeram a licitação?

Vou lhes contar algo que não é segredo, mas talvez não tenham tido tempo para saber. A aprendizagem, para acontecer, depende de saúde física. Corpo alimentado tem mais chances de produzir um cérebro pensante. Essa receita é boa, podem acreditar!

Início do ano, retorno das férias. Professores e alunos se encontram no primeiro dia de aula letivo. Aula? A sala tem um buraco na parede, o banheiro é um esgoto a céu aberto, o telhado não tem telhas… Licitação para reparos?

Chove no Senado? Na Câmara? Na Assembleia?

Como são os banheiros desses locais de trabalho?

Há paredes entre os gabinetes?

Mas vamos então brincar de “trocar de lugar”. É simples assim: cada um dos senhores monta seu gabinete em uma escola que será selecionada pela sociedade e “despacha” por lá apenas por uma semana. Os alunos daquela sala ficarão, nesse período, em uma sala do prédio do seu trabalho.

Para a brincadeira ter graça, os alunos e os professores serão transportados pelos carros que os senhores utilizam, com seus motoristas e os senhores irão à escola ou a pé ou com o transporte público.

Então, para que a brincadeira seja um momento de aprendizagem, o seu holerite será trocado com o do professor. E não vale pedir empréstimo. Tem que se virar por trinta dias, combinado?

Para dar certo, vou dar-lhes algumas dicas:

1) O sono alimenta, então durmam bem porque passarão fome na escola;

2) Utilizem o banheiro antes e depois de sair de casa, é mais higiênico;

3) Se for tempo de chuva, levem guarda-chuva para a sala de aula;

4) Não levem aparelhos tecnológicos, porque não poderão utilizá-los – faz parte da brincadeira os direitos iguais. Levem caderno e caneta porque lá não tem.

Pronto! Já será uma experiência e tanto. Já pensaram chegar em casa e contar aos filhos o orgulho que sentiram por serem brasileiros?

Depois dessa semana, se não fizerem absolutamente nada para mudar essa pouca vergonha que chamam de Educação…

Então, como seria só uma brincadeira porque, tenho certeza, não concordariam em brincar de ser brasileiro, ao menos não nos atrapalhem!

Permitam que nós, Educadores, façamos nosso trabalho com dignidade.

Permitam que o dinheiro dos impostos que nós, contribuintes, pagamos, vá para a qualidade da Educação. Não se intrometam em áreas que desconhecem.

E, acima de tudo, não nos envergonhem com escândalos.

A dica para que sejam lembrados por políticos que fizeram bem o seu trabalho é simples assim. Deixem a Educação crescer, permitam que nossos alunos cresçam em conhecimento, que os professores sejam APENAS (não imaginam como esse APENAS é enorme) professores bem qualificados, sem que concomitantemente sejam mágicos, heróis, equilibristas. Há profissionais especializados para essas outras profissões. É uma questão de “cada um no seu quadrado”. Propiciem que recursos financeiros – eles existem e sabemos disso – sejam utilizados com recursos físicos, materiais e profissionais, não para o benefício próprio, mas para o da sociedade.

Pensem que se melhorarmos o nível de Educação poderemos deixar de ocupar os últimos lugares entre os países que investem nos seus cidadãos e têm bons resultados, para sermos os primeiros. Eu sei que isso os assusta, porque estaremos investindo em seres pensantes, críticos e audaciosos, que poderão sempre questionar a ação dos políticos, as verbas…

Mas os senhores farão história. Uma história digna. Na minha opinião, uma história que enobrece.

Sou brasileira, mas não ingênua.

Então, se não querem fazer algo para mudar essa história que hoje nos envergonha, ao menos não nos atrapalhem. Cuidem de suas palavras e de suas ações. Isso já fará a diferença na sala de aula.

A Educação agradece.

(*) Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina e autora do blog educacaolharcomligiafleury.blogspot.com.