Amanhã vai ser o mesmo dia

(*) Carlos Brickmann –

Na primeira metade do século 19, a Inglaterra, maior potência militar da época, exigiu que o Brasil elaborasse leis que impedissem o tráfico de escravos. O Brasil fez todas as leis que os ingleses pediram e continuou a traficar escravos. As leis, sabiam todos, não eram para valer. Eram apenas para inglês ver. A expressão ficou até hoje em nossa língua, como sinônimo de enganação.

Transparência? O jornal “O Globo”, com base na Lei de Acesso à Informação, pediu o extrato dos gastos da servidora federal Rosemary Noronha, que se dizia amiga de Lula, denunciada pelo Ministério Público por tráfico de influência, corrupção passiva e falsidade ideológica. O Governo se negou a dar a informação. Motivo: poderia colocar em risco “a segurança do presidente e do vice-presidente da República e respectivos cônjuges e filhos”. Então, tá.

Menos gastos? Cada vez que vai à TV, Dilma faz penteado e maquiagem, o que é normal. Mas penteado e maquiagem custam R$ 3.125 – número oficial. No salão de Celso Kamura, o cabeleireiro de Dilma, penteado e maquiagem saem por R$ 680. Nas primeiras vezes em que Dilma foi à TV, o custo foi de R$ 400.

Planejamento? Histórias para inglês ver não são exclusivas do Governo Federal, nem do PT. Em Goiás, governado pelo tucano Marconi Perillo, o mesmo cartaz, da mesma obra, sofreu pequena modificação: onde se lia que o custo seria de R$ 54 milhões, surgiu outro número, R$ 111 milhões. Segundo o Governo goiano, foi erro da empresa que fez a placa e colocou o custo de um só trecho. Pois é.

Cortar custos, só dos outros

O Congresso aprovou em alta velocidade projetos que, embora estivessem há anos nas gavetas, nem tinham sido discutidos. Mas a Proposta de Emenda Constitucional que reduz o número de deputado de 513 para 380 (PEC 170), que provocaria uma economia de quase R$ 13,5 milhões por mês, apresentada em 1999, esta ficou no caminho. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deu esta semana, após 14 anos, seu parecer contrário.

Mexer no deles, nem pensar.

Crime e castigo

Só Câmara? Não seja injusto. O Senado transformou delitos de servidores públicos em crimes hediondos, com aumento de pena. Ótimo – desde que alguém identifique e julgue os hediondos criminosos. O pessoal do Mensalão, acusado desse tipo de crime, levou sete anos para ser julgado. E a pena não foi aplicada.

O tempo passa

Pode ser para inglês ver, mas o brasileiro ainda vai demorar a ver o endurecimento das penas. O projeto tem ainda de ser aprovado pela Câmara e sancionado pela presidente. O parecer favorável à aprovação já tinha um ano de gaveta.

Atenção…

Senado, Câmara, Governo Federal, Governo goiano – e, claro, Governo paulista. O governador tucano Geraldo Alckmin anunciou com pompa e muito barulho que o pedágio nas estradas estaduais não será reajustado neste ano. E, discretamente, determinou que os caminhões passem a pagar pedágio calculado sobre todos os eixos, acabando com a norma pela qual os eixos suspensos estariam fora do cálculo. Traduzindo: um caminhão pode rodar com algumas rodas fora do chão, quando estiver descarregado, economizando pneus. No caso pagava o pedágio sobre o número de eixos que efetivamente estivessem em uso. Agora pagará sobre todos – o que pode aumentar o custo de uma viagem entre 30 e 50%.

Ou seja, beneficia-se o dono do automóvel e cobra-se a diferença do caminhão cuja carga fica mais cara. O carro Mercedes paga menos, o caminhão Mercedes paga mais. E quem não tem carro nenhum paga a conta do mesmo jeito.

… perigo!

O governador Alckmin deve achar que sua jogada de marketing é excelente, mas talvez os caminhoneiros tenham opinião diferente. Há debates na categoria sobre a paralisação das estradas estaduais paulistas, com estacionamento de caminhões na entrada dos pedágios, bloqueando totalmente o tráfego. Se acontece algo como isso, o Estado mais rico da Federação fica paralisado e o país inteiro sofre.

O risco de problemas institucionais começa a tornar-se visível.

Ninguém sabe nada

O homem-forte da Economia brasileira durante a maior parte do regime militar, o ex-ministro Delfim Netto, teve a coragem de dizer à Comissão Municipal da Verdade de São Paulo que não sabia que houve tortura no país na época da ditadura. É incrível: este jornalista, editor do Jornal da Tarde, cargo de quarto escalão (acima havia o secretário de Redação, o editor-chefe e o diretor do jornal), sabia. Repórteres recém-chegados a seu primeiro emprego sabiam. O Estado de S.Paulo , jornal essencial para que um ministro se informe, publicou até editorial sobre tortura. Veja colocou a tortura na capa.

E Delfim, que era ministro, que assinou o Ato nº 5, não sabia. Sua assessoria deve ter falhado, não é mesmo?

Em Brasília, como os romanos

O papa Francisco criou uma comissão para analisar a situação do Banco do Vaticano e propor reformas. Veja que coincidência: no Brasil, antes mesmo da iniciativa do papa, muitas reformas foram decididas por uma comissão.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.