Nova crise no Egito evidencia divisão na sociedade do país

(Foto: Reuters)
Fora de controle – No último final de semana, uma bandeira colocada em rua de acesso à Praça Tahrir, no Cairo, trazia uma mensagem clara. A frase “acesso proibido à Irmandade Muçulmana” explicitava a pouca disposição dos oponentes ao presidente Mohammed Morsi de negociar com o governo.

De acordo com analistas egípcios, a bandeira mostrou, como nenhuma outra imagem, a divisão profunda que existe atualmente na sociedade egípcia. No início da revolução popular, em janeiro de 2011 e no âmbito da chamada “Primavera Árabe”, representantes de todas as classes sociais e crenças se reuniram na praça para protestar, juntos, contra o então presidente Hosni Mubarak, que renunciou após 18 dias de levante.

Dois anos e meio depois, não há mais vestígios de união. As chances de diálogo são poucas entre apoiantes e opositores ao primeiro presidente civil do Egito. A oposição não pede mais reformas: quer a renúncia de Morsi. Já seus seguidores argumentam que ele foi eleito democraticamente e que, por isso, precisa continuar governando.

Sentimento de exclusão

“A Irmandade Muçulmana [liderada por Morsi até ele se tornar presidente, em junho de 2012] se tornou impopular principalmente por querer que a religião tenha um papel maior no sistema político”, explica Gamal Soltan, cientista político da Universidade Americana no Cairo.

“Mas essa posição não é comum a todos os egípcios, independentemente de sua religião ou ideologia”, acrescenta, observando que muitos cidadãos, principalmente os coptas (cristãos) e xiitas (corrente do Islã e minoritária no mundo muçulmano), têm a sensação de serem excluídos. “Essa impressão foi um dos catalisadores da situação atual”, ressalta Soltan.

As manifestações por ocasião do primeiro aniversário da posse de Morsi, no último sábado (30), evidenciam a insatisfação de grande parte da sociedade egípcia com a política do presidente, também o primeiro líder islamita do país. Muitos egípcios rejeitam a nova Constituição, vigente deste novembro de 2012, acusando-a de dar uma importância exagerada ao Islã.

Embora a Constituição tenha sido aprovada num referendo por mais de dois terços dos votos, o comparecimento às urnas foi de 33%, taxa que faz muitos duvidarem da legitimidade da lei fundamental. Além disso, acusam Morsi e a Irmandade Muçulmana, que o apoia, de tentarem “islamizar” a cultura do país.

O ministro da Cultura, Alaa Abdel-Aziz, nomeado no final de maio, é um dos mais criticados neste aspecto. Pouco depois de tomar posse, ele designou vários aliados para ocupar cargos influentes, como a direção artística da Ópera no Cairo e a administração de um departamento responsável pelas questões ligadas à arte em seu ministério.

Crise econômica aumenta tensões

“Está ocorrendo uma luta ideológica pelo poder no Egito”, observa Soltan. Ambas as partes tiveram, segundo ele, amplas oportunidades para negociar, mas não conseguiram, embora haja questões fundamentais para discutir, como “o reconhecimento do pluralismo político ou do fato de que a sociedade é composta por diferentes grupos”, constata o estudioso.

A atual crise econômica contribui para aumentar o distanciamento entre os dois lados. Nas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo se comprometeu a realizar uma ampla reforma, que inclui corte de subsídios e aumento de impostos – medidas que podem custar à Irmandade Muçulmana a perda de aprovação política, principalmente nas camadas mais pobres.

“Mas o principal problema é mesmo político”, sublinha o economista Ahmed Kamaly, também da Universidade Americana. Ele vê um futuro incerto para o país liderado por políticos inexperientes. “Se a situação política melhorar, o clima econômico também terá um reaquecimento. O país precisa de estabilidade política. Caso contrário, tenho pouca esperança.”

Soltan Gamal concorda. “A elite política do país poderia dar início a uma reconciliação nacional, a uma espécie de pacto nacional. A partir disso, o Egito poderia encontrar uma solução para os problemas econômicos e políticos”, avalia. Mas tal medida pressupõe um governo suficientemente legítimo que tome as decisões adequadas, conforme o especialista – que, por outro lado, duvida da capacidade do atual regime.

Falta de cultura política

Os adversários do presidente também são alvo de críticas. Repetidamente, recusaram convites de Morsi para dialogar e convocaram vários boicotes eleitorais. “Esse comportamento contribui pouco para melhorar a cultura política do país”, escreve o jornal liberal Al Masry Al Youm. (DW)

A publicação alerta os dois grupos que lutam pelo poder a “resistirem à tentação” de tentar impor sua vontade ao outro. “Os últimos meses têm mostrado que existe uma luta pelo poder no Egito e que a imposição não traz resultados. Agora é importante que os egípcios façam uma autocrítica e lutem por uma unidade nacional, para poderem procurar, de forma séria, uma saída para essa crise”, alerta o diário.

Nesta terça-feira (02), o presidente Morsi rejeitou um ultimato do exército, feito no dia anterior, para que atenda às reivindicações da oposição até quarta-feira. Morsi afirmou que “prosseguirá no caminho que escolheu” para chegar à reconciliação com os manifestantes.

A Justiça egípcia anulou, também nesta terça, a demissão do procurador-geral Abdel Meguid Mahmud, demitido por Morsi em novembro, numa decisão que, segundo observadores, indica um enfraquecimento político ainda maior do presidente egípcio depois que vários integrantes de seu gabinete renunciaram desde domingo, incluindo o ministro do Exterior, Mohammed Kamel Amr.