Covardia explícita – Em meio à onda de protestos, a violência contra mulheres no Egito vem tomando proporções assustadoras. De acordo com a ONG de direitos humanos Human Rights Watch, em apenas quatro dias na semana passada – durante os protestos que culminaram na queda de Mohammed Morsi – mais de 90 mulheres sofreram abuso sexual. O número seria ainda mais alarmante se fossem contados os casos não denunciados.
Ao participarem de manifestações nas ruas, mulheres têm sido cercadas por dezenas de homens e, não raramente, estupradas por todos eles. O abuso pode durar alguns minutos ou até mesmo horas. Já o trauma elas carregam por toda a vida.
“Quanto mais vigilantes estamos, e quanto mais lutamos pelos direitos das mulheres, mais conseguimos coibir a ação desses criminosos que assediam e estupram”, afirma Nihal Saad Zaghloul, explicando o motivo pelo qual decidiu não ir à Praça Tahrir na sexta-feira à noite. “É perigoso”.
A jovem de 27 anos não quer se expor ao que chama de “lado negro da revolução egípcia”. No ano passado, foi vítima de um ataque violento quando caminhava com os amigos na Tahrir. Após a traumática experiência, decidiu lutar contra a violência. Nihal Zaghloul é cofundadora do grupo Bassma, cujo objetivo é mostrar que a cultura do assédio sexual está inserida na sociedade egípcia – e que precisa acabar.
Atenção internacional
Em vídeo divulgado pelo Human Rights Watch nesta semana, Hania Moheeb conta como uma manifestação pacífica ocorrida há poucos meses na Praça Tahrir se tornou um verdadeiro pesadelo para ela. “Eles fizeram um círculo bem apertado em minha volta e começaram a passar a mão em cada parte do meu corpo, eles violentaram cada parte do meu corpo. Fiquei tão traumatizada que só conseguia gritar.”
Centenas de mulheres – egípcias ou não – passaram pela mesma terrível experiência de Moheeb desde o início dos protestos no país. O caso da jornalista Lara Logan, correspondente da rede CBS, que sofreu estupro coletivo quando cobria as manifestações na Praça Tahrir, jogou os holofotes de todo o mundo para a questão pela primeira vez.
Desde novembro de 2011 a polícia tem evitado uma presença mais ostensiva na Praça Tahrir a fim de evitar confrontos com os manifestantes. O Human Rights Watch ressalta que não há qualquer tipo de proteção especial para mulheres que participam dos movimentos e que os homens que cometem esses crimes sabem que não serão punidos.
Grupos voluntários tentam suprir exatamente essa falta de segurança nas ruas, patrulhando áreas onde ocorrem protestos e oferecendo o mínimo de proteção para mulheres que participam das manifestações.
Mas a Tahrir Bodyguard e a OpAntiSH (Operação contra o Assédio Sexual), as duas maiores organizações voluntárias, anunciaram na última sexta-feira (5) que não participarão mais dos protestos para garantir a segurança de seus próprios integrantes, segundo publicaram no Twitter. Frequentemente os voluntários são atacados ao tentarem salvar vítimas.
“É extremamente frustrante e deprimente”, afirma Nihal Saad Zaghloul. Muitos ativistas do grupo Bassma atuavam ao lado de membros do Tahrir Bodyguard e do OpAntiSH na defesa de mulheres durante os protestos. “Temos muito retorno de pessoas dizendo como nosso trabalho é bom e importante. Esta é uma motivação para continuarmos lutando.”
Impunidade
O problema tem raízes antigas, na repressão sob a qual vivia a sociedade egípcia nos tempos do ditador Hosni Mubarak, diz Zaghloul. “Quando homens são oprimidos, eles repassam essa opressão àquele ser que ele enxerga como mais fraco, nesse caso, a mulher”, avalia. Para ela, este é um círculo vicioso que está impregnado na sociedade egípcia.
A situação se manteve durante o regime de Morsi e da Irmandade Muçulmana. Em fevereiro de 2012, o general Adel Afifi, membro da Irmandade na Câmara Alta do Parlamento egípcio (shura), declarou que as mulheres “contribuem em 100% nos casos de estupro porque elas colocam a si mesmas nessas circunstâncias”, ao comentar casos de mulheres violentadas durante protestos.
Zaghloul afirma que não se pode culpar apenas Morsi e os islamistas pela violência contra mulheres no Egito. “Ele cometeu vários erros e não deu atenção aos direitos das mulheres, mas nenhum dos outros regimes havia dado”. Ela preferiu não comentar as suspeitas de que a Irmandade Muçulmana teria pago grupos de criminosos para abusar sexualmente e bater em mulheres a fim de tirá-las dos protestos e da vida política no país. “Não posso culpar ninguém, não há provas”.
Com seu grupo Bassma, Zaghloul organiza atualmente uma grande campanha de conscientização, com cartazes em ônibus, escolas e jardins de infância informando sobre os direitos das mulheres e ressaltando que os abusos precisam parar. “Cada vez mais as pessoas rejeitam violência contra as mulheres e até mesmo a mídia vem dando mais ênfase nessa questão pela primeira vez”.
Ela acha importante contar com homens na luta contra a violência sexual. “Eles têm mães, irmãs, sabem que as mulheres são seres humanos”. Mas Zaghloul sabe que há ainda um longo caminho a ser percorrido. “Mudanças levam tempo”. (Deutsche Welle)