Dificuldade de unir facções políticas ameaça transição egípcia

Sem solução – Durante a campanha eleitoral, Mohammed Morsi prometeu ser o presidente de todo o povo egípcio. Sem conseguir reunir todas as forças políticas em torno do governo, durou apenas um ano no poder. Num Egito de economia estagnada e democracia frágil, governar sem o mínimo de consentimento dos rivais se mostrou inviável.

O presidente interino Adli Mansour estará à frente do país somente até as próximas eleições. Porém, tanto ele quanto o próximo presidente eleito democraticamente no Egito – Morsi foi o primeiro da história do país – estarão diante de um grande desafio: unir um povo dividido.

A chamada campanha Tamarod (rebelião) diz ter conseguido recolher mais de 20 milhões de assinaturas contra Morsi porque, como alega, não queria ser mais governada pela Irmandade Muçulmana. Mas é difícil imaginar um futuro governo egípcio de fato legítimo sem qualquer participação islamita.

A Irmandade Muçulmana está firmemente estabelecida na sociedade, e Morsi ganhou as eleições de 2012 – mesmo sob uma baixa participação eleitoral – com 13,2 milhões de votos.

“A princípio, não será fácil integrar a Irmandade Muçulmana no processo político”, diz Amr Hashim Rabea, cientista político do Centro al-Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos, baseado no Cairo.

Nas últimas semanas, as diversas facções do xadrez político egípcio parecem ter endurecido o tom, e o conflito entre a Irmandade Muçulmana e os militares escala diariamente. Durante os mais recentes protestos, dezenas de pessoas morreram.

“Há um enorme sentimento de raiva e uma grande frustração dentro da Irmandade Muçulmana e isso esconde, no momento, a reflexão sobre os próprios erros cometidos”, opina o especialista em Oriente Médio Volker Perthes, diretor do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP).

Para ele, a situação deve mudar quando houver um relaxamento também por parte dos militares. No entanto, ao mesmo tempo em que o Exército promete não se intrometer na reformulação das instituições políticas, os militares fecham a sede da Irmandade Muçulmana e prendem membros da liderança islamita.

Irmandade rejeita integrar gabinete

Nesta quarta-feira (10), a Irmandade Muçulmana rejeitou oferta para participar de um novo governo egípcio. “Nós não cooperamos com golpistas”, disse um porta-voz do grupo, em resposta ao novo primeiro-ministro, Hazem al-Beblawi, que fizera uma oferta para que integrassem o novo gabinete.

O Egito não dispõe, no momento, de um mediador neutro. E todos os partidos islamitas se retiraram das negociações para a formação de um governo interino, inclusive os salafistas do partido Al-Nour (Partido da Luz).

“O Islã politizado levou um duro golpe. E certamente isso levou também a um enfraquecimento da Irmandade Muçulmana”, diz Perthes.

Isso não é aceito pela Irmandade Muçulmana, que insiste em convocar seus partidários às ruas e adverte até de uma guerra civil. Vídeos de simpatizantes do grupo, divulgados pela internet, falam de ataques em todo o país caso Morsi não seja restituído ao poder.

Para Volker Perthes, a violência pode aumentar ainda mais no país. “Ela não deve necessariamente partir da Irmandade Muçulmana, mas de forças que estão alojadas no entorno dela, como o Gamaa Islamiya, que possui um passado terrorista”, afirma.

Entre os egípcios, aumenta a preocupação de que a Irmandade Muçulmana venha a se radicalizar e se recuse a participar da reconstrução do país.

“No futuro, haverá certamente partes da Irmandade Muçulmana que partirão para a violência. Mas também haverá outras que dirão que é preciso estabelecer agora um partido moderno, que esteja obviamente comprometido com a democracia”, diz Perthes.

As forças seculares no Egito estão cientes dos riscos que podem surgir para a segurança do país, aparentemente de forma deliberada, pois a aliança esquerdista liberal já se manifestou claramente contra a formação de um governo sem os partidos islamitas. (Deutsche Welle)