Cuba ainda tem muitas metas pendentes 60 anos após início da Revolução

Castelo de areia – A velha guarda da Revolução Cubana comemora nesta sexta-feira (26), em Santiago de Cuba, os 60 anos daquele que é considerado o início oficial do levante que levou Fidel Castro ao poder.

Então um jovem e desconhecido advogado, Fidel condenou o golpe de Fulgencio Batista, que tomara o poder um ano antes, e tentou levar a denúncia que publicou no diário clandestino La Palabra aos tribunais – sem sucesso.

Fidel, então, tentou derrubar Batista pela força. Reuniu mais de 130 homens e mulheres para invadir os quartéis de Céspedes e de Moncada, com o objetivo de obter armas e entregá-las à população. O plano falhou, e os revolucionários acabaram sendo julgados. Eles levariam mais seis anos para, em 1959, derrubar o regime de Batista.

Condenado a 15 anos de prisão, mas anistiado dois anos mais tarde, Fidel assumiu a própria defesa no tribunal. Se tivesse triunfado no dia 26 de julho de 1953, os problemas de terra, industrialização, moradia, desemprego, educação e saúde da população, assim como “a conquista das liberdades públicas e a democracia política”, como o advogado pronunciou no discurso de defesa, teriam dominado o programa de governo dos revolucionários.

Depois de 60 anos da primeira tentativa fracassada de golpe e mais de 50 anos depois do triunfo da Revolução Cubana, especialistas ouvidos pela DW avaliam se Cuba solucionou os problemas e se conquistou as liberdades almejadas na época.

Entre o socialismo e as reformas de mercado

“O programa de Moncada era mais socialista do que o próprio programa do antigo Partido Comunista”, escreveu o historiador cubano Pedro Campos, ativista do coletivo Socialismo Participativo e Democrático. “O programa dos comunistas previa um capitalismo de estado controlado pelo partido único, incluindo algumas cooperativas agrícolas, seguindo o modelo pregado pelo stalinismo.”

Campos considera, portanto, que o passo de um regime “estático” à “socialização” é uma “velha meta pendente” da Revolução Cubana. Para alcançar essa meta, o programa de Moncada propôs a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, o fomento de cooperativas agrícolas autogeridas e a recuperação de mecanismos democráticos para o exercício da cidadania. Todas as tarefas ainda por cumprir, acredita Campos, para quem a situação pode estar relacionada com o isolamento político da ilha.

“Cuba conquistou e manteve a sua independência política, mas é uma soberania limitada porque o país não é autossuficiente do ponto de vista econômico e sempre dependeu de um ator externo, como Espanha, Estados Unidos e União Soviética. Hoje, o ator externo é a Venezuela”, constata Carmelo Mesa-Lago, ex-professor de Economia e Estudos Latino-Americanos da Universidade de Pittsburgh (EUA).

No final dos anos 1980, Cuba registrou os melhores indicadores socioeconômicos de sua história. Porém, após o colapso da União Soviética no início dos anos 1990, o mais recente programa de reformas de mercado – implementado por Raúl Castro, irmão de Fidel e atual líder do governo cubano – enfrenta um panorama pouco alentador.

Cuba tem um déficit estimado de cerca de um milhão de casas para uma população de 11 milhões de habitantes. O déficit comercial, a inflação e a dívida externa aumentaram várias vezes nos últimos anos e registram níveis recordes. Cresce também a discrepância na distribuição de renda, assim como a pobreza e a população vulnerável no país. A prostituição voltou e o número de pessoas que recebem benefícios sociais caiu cerca de 70%, alerta o especialista Mesa-Lago.

A produção agrícola segue estagnada, com a primazia de um planejamento central sobre o mercado e com quase toda a terra pertencendo ao Estado. Somente 10% dos agricultores exercem a atividade de forma privada. A produção manufatureira ainda sofre com a fuga de capitais e com a baixa industrialização. E, se avançarem os cortes de postos de trabalho previstos por Raúl Castro no setor público, um terço da população economicamente ativa pode ficar desempregada, acrescenta o economista que se especializou em políticas sociais para a América Latina.

Entre os indicadores econômicos e sociais positivos nos últimos anos, Mesa-Lago aponta o crescimento do turismo, o ingresso de divisas com a exportação de serviços profissionais, produtos farmacêuticos e de biotecnologia, a expansão e diversificação das relações comerciais e os investimentos e créditos com China, Rússia, Brasil e União Europeia.

Estagnação política e a imagem internacional

Se, por um lado, Cuba ainda tem uma das mais altas expectativas de vida e uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil na América Latina, a deterioração na educação e na saúde é visível, constata o historiador cubano, cientista político e professor da Universidade de Veracruz no México, Armando Chaguaceda. “Tanto a qualidade como a cobertura dos serviços se deterioraram, com reduções nos orçamentos destinados a estes setores”, afirma o membro do Observatório Social da América Latina.

A deterioração inclui, por exemplo, a exportação de serviços profissionais de saúde, o que faz com que esses serviços sejam cada vez mais escassos no país, alerta Chaguaceda.

Para o economista, parte do remédio passaria, por exemplo, por uma distribuição mais racional dos recursos em Cuba. Chaguaceda sugere menos investimentos para reduzir a mortalidade infantil (já que o índice é o segundo mais baixo do hemisfério norte, depois do Canadá) e mais ações para “solucionar o abandono da infraestrutura de água potável e da gestão de águas residuais”, problema que aumenta o risco de epidemias na ilha. Outra solução seria diminuir os gastos em educação básica e aumentar os salários dos professores, considerados “absolutamente insuficientes”.

A situação atual de Cuba fez com que o apoio internacional inicial à Revolução Cubana se desintegrasse. Com exceção de alguns países latino-americanos, como Venezuela, Argentina, Bolívia, Nicarágua e Equador, o governo cubano tem cada vez menos aliados.

O mesmo poderia valer para a popularidade interna do governo cubano. Ao “fracasso econômico e às conquistas sociais deterioradas”, Mesa-Lago acrescenta que “há também uma estagnação política. Cuba continua governada por um regime autoritário, de partido único, com controle rígido da liberdade de expressão e uma imprensa que se autocensura ou é censurada pelo governo. Não existe o direito a manifestações públicas ou greves. Os sindicatos agem apenas como um braço do governo”, completa.

Chaguaceda insiste que, apesar do surgimento de alguns direitos civis – incluindo a liberdade de viajar, as oportunidades de migração e de investimento privado –, o atual processo cubano de reformas de mercado “mantém uma governabilidade autoritária”. Assim, 60 anos após a tentativa de assalto ao quartel Moncada, o especialista conclui que não houve uma mudança substancial, “democratizante”, na relação entre o Estado e a cidadania.

Para Chaguaceda, “a cidadania está cansada, civicamente desarmada, fragmentada do ponto de vista da comunicação e carente de referências e modelos de luta cívica e pacífica. Você vê uma poderosa elite política e financeira que controla o fluxo de informação e todos os instrumentos de poder.” (DW)