(*) Percival Puggina –
Os recorrentes debates sobre a laicidade do Estado guardam relação apenas periférica com a questão religiosa. Ela fornece o acompanhamento, mas pouco tem a ver com o prato principal. Os limites entre Igreja e Estado já foram objeto de deliberação e o Estado brasileiro, em reta conformidade com a sintética determinação de Jesus, é laico. A Deus o que é de Deus e a César o que é de César.
O rufo de tambores que ouvimos são os de uma declarada guerra, nada santa, contra a influência do Cristianismo na cultura e nos valores morais dos indivíduos. E contra o reflexo disso no Direito. Guerra pela completa abolição dessa influência. Todos, inclusive os militantes do ateísmo, sabem que: 1º) é quase impossível “desconverter” os indivíduos de uma fé em Deus para uma fé no Nada absoluto; 2º) é inaceitável pela sociedade a ideia de um Direito moralmente insignificante, ou que ignore os princípios e valores compartilhados pelos membros da sociedade. Diante de tais e tão grandes dificuldades, os militantes do ateísmo cultural propuseram-se a algo muito mais sutil – querem esterilizar a moral nos próprios indivíduos. Como? Convencendo você, leitor, por exemplo, de que os princípios e valores que você adota são, na origem, tão religiosos (e por isso mesmo tão pessoais) quanto a própria religião que porventura professe. Integrariam, então, aquele foro íntimo no qual se enquadrariam a própria religião e suas práticas. Pronto! Segundo o princípio da laicidade do Estado, tais princípios e valores só teriam vigência na vida privada.
As investidas contra os símbolos religiosos são apenas a ponta do rabo do gato. O felino inteiro é muito mais pretensioso. E maior. O que pretende é laicizar a cultura, as opiniões e, principalmente, os critérios de juízo e decisão. Portanto, toda a conversa fiada sobre supostas infrações à devida separação entre o Estado e a Igreja precisa ser entendida como aquilo que de fato é: atitude de quem adotou o Estado, e só o Estado, por fonte de todo bem, baliza perfeita para o certo e o errado, e vertente dos valores que devem conduzir a vida social. Convenhamos, é uma tese. Mas – caramba! – qual é, precisamente, a moral do Estado? Na prática, a gente conhece… Na teoria, é a que a sociedade majoritariamente determine, excluída a que moldou a civilização ocidental. Ou seja, aquela que deriva do Cristianismo, proclamada inadmissível perante a laicidade do Estado, blá, blá, blá.
Tal linha de raciocínio não resiste ao primeiro safanão. Precisa de reforços e apoios propiciados pelo relativismo moral. Cabe a este filho do pós-modernismo mostrar que a moral majoritária é apenas uma das tantas que andam por aí através do tempo, do espaço e da miséria humana. Saem às ruas, então, representações desse moderno mundo novo – Parada Gay, Marcha das Vadias, Marcha pela Maconha, movimentos ou partidos como os que dançaram pelados na Câmara Municipal de Porto Alegre ou fizeram sexo com símbolos religiosos no Rio de Janeiro. Escandalosos? Escandalosos perante qual senso moral? O totalitarismo pós muro de Berlim, tipo Foro de São Paulo, precisa do ateísmo cultural e do relativismo para derrogar o cristianismo cultural, esse resíduo empobrecido do Cristianismo. Destruídos os valores que o fundamentam, acaba a democracia pelo simples fato de que esta não se sustenta numa sociedade política sem princípios, sem valores e sem vergonha.
(*) Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia e Pombas e Gaviões.