(*) Editorial –
Fazer política, dizem, é uma arte. Contudo, o que os brasileiros têm visto desde os idos de 1500, quando aqui chegou o português Pedro Álvares Cabral, é a classe política pintando o sete. E pintam como se nada pudesse contê-la.
No momento em que, de certa forma, confirma-se a teoria de que a política é arte, apreciá-la apenas não basta. É preciso entender essa tal arte e criticá-la constantemente, pois a cada contemplação a leitura há de ser distinta. Nessa pluralidade interpretativa é que está o esteio da cidadania. Em suma, é preciso ser cotidiano para acompanhar a política e cobrar os que nela fazem arte.
Na política não existem coincidências, não há o acaso. Tudo é minuciosamente planejado, de forma a garantir o funcionamento da máquina do mal em que se transformou a política verde-loura. Por isso, causa espécie o fato de o povo brasileiro estar organizando uma manifestação para o 7 de Setembro. Ser cidadão não tem data marcada, nem lugar na agenda. Ser cidadão confunde-se com o existir de cada um. E assim deve caminhar a nação, sob pena de ela própria ser engolida por aqueles que dizem representá-la, em qualquer um dos Poderes.
O Brasil amanheceu indignado na quinta-feira, 29 de agosto, horas depois de a Câmara dos Deputados rejeitar a cassação do mandato de um parlamentar que cumpre pena de prisão por surrupiar o dinheiro público. O que se viu foi o Poder Legislativo afrontando o Judiciário, em um espetáculo acintoso que cobriu a nação de vergonha. Isso só foi possível porque a sociedade, além de não ser vigilante, foi condescendente. Em qualquer país minimamente responsável, com um povo que não externa sua indignação apenas nas redes sociais, o Congresso estaria cercado desde as primeiras horas da manhã.
O povo perdeu o poder de reação, o que preocupa quando a nação assiste passivamente ao açoitamento da democracia. Qualquer fato que emana do universo político precisa, de maneira obrigatória, ser interpretado em suas entrelinhas, pois há muito mais armadilhas nas coxias do poder do que a vão filosofia imagina. O escárnio em que se transformou a manutenção do mandato de um deputado-presidiário serve para que muitos adeptos do banditismo político permaneçam incólumes, trajando a falsa veste da moralidade.
Contudo, da escandalosa decisão do plenário da Câmara surge um perigo muito maior e quase invisível aos olhos viciados do dia a dia. O embate entre os poderes Judiciário, como o segundo sendo desrespeitado pelo primeiro, cria um terreno fértil para um golpe que pode levar o País ao totalitarismo. Isso é possível porque o Poder Executivo, diante da queda de braços entre a Justiça e o Parlamento, sentir-se-á legitimado para ingerir em um ou outro, por que não em ambos.
A História mostra que é exatamente assim que germina um golpe de Estado. É fato que a decisão tomada pela Câmara dos Deputados alargou a estrada da impunidade, deixando livre o caminho para os parlamentares condenados pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470, mas, não muito além, permitiu o surgimento dessa falsa legitimidade do Executivo, que encontra a aquiescência popular na esteira de um assistencialismo criminoso.
Essa teoria, que de tão verdadeira está a um passo da prática, encontra estofo no pensamento de Aristóteles e Platão, que defenderam o conceito de que a ilegalidade é a marca da tirania, ou seja, “a violação das leis e regras pré-estipuladas pela quebra da legitimidade do poder; uma vez no comando, o tirano revoga a legislação em vigor, sobrepondo-a com regras estabelecidas de acordo com as conveniências para a perpetuação deste poder”.
Para quem não acompanha a política e seus meandros, é inevitável indignar-se com a não cassação do mandato do “deputado-presidiário”, mas é preciso ir além da indignação, impedindo que, neste caso específico, o Executivo transforme-se na versão tropical do Rei Sol e chame para si a responsabilidade de colocar ordem na casa. É preciso necessário com responsabilidade e cobrar com tenacidade. Do contrário, o silêncio da maioria ainda livre, sempre sonolenta em berço esplêndido, será o indutor da surdez reticente de uma minoria tirana.
O Editor