Vagalume. No vidro

    Marli Gonçalves –

    Sensações, o que escrevemos são sempre sensações, portanto, muito pessoais. Numa insana tentativa de transmitir como vemos as coisas, ou como estamos nos sentindo, lançamos mão, ao escrever, de imagens que possam melhor ilustrar os pensamentos. Pois a dessa semana é essa, a de um vagalume preso no vidro transparente daqueles de palmito em conserva, piscando já bem pouquinho

    Eles andam bem sumidos de minha vida e se você tem a honra de vê-los aí onde vive, saiba que o invejo. Estou na cidade grande, aquela que tem vantagens mas também muitos prejuízos e por aqui esses pequenos piscantes não aparecem – aliás, por causa delas, das cidades e sua iluminação abundante, esses bichinhos podem até ser extintos, uma vez que não conseguem nem se mostrar, nem se reproduzir piscando uns para os outros, com suas bundinhas falantes, num código muito próprio. Entre as coisas mais lindas do mundo, da natureza, listo ver os vagalumes, sempre em bando, nas primeiras horas da noite, piscando aqui e ali, iluminando segredos e se ocultando nas árvores. Momento mágico.

    Mas foi a imagem de um deles, preso em um vidro como fazíamos quando crianças, que me veio à cabeça para descrever o meu momento. O que é pior: o seu também, quando olhamos a situação política, as notícias, os desavergonhados tapas na cara que levamos diariamente e que nos trazem de volta desânimo, descrença em mudanças. Em junho, piscávamos feericamente; em setembro, nossas piscadas estão fraquinhas, quase já não são mais visíveis.

    Sou vagalume, então. Uma “pirilampa”, porque os vagalumes têm muitos nomes pelos quais são conhecidos nesse mundão de Deus – caga-lumes, caga-fogos, cudelumes, luzecus, luze-luzes, lampírides, lampírios, lampiros, lumeeiras, lumeeiros, moscas-de-fogo, noctiluzes, piríforas, salta-martins, uauás – alguns. Aí também parecem com a gente: somos humanos, alguns cidadãos, mas também podemos ser chamados de otários, cara-de-burro, conformados, de um lado; de outro, de enganados, subestimados. Mas há também os manipulados, acovardados, traidores, aparelhados ou os da espécie maria-vai-com-as-outras, maria-vai-com-quem-paga, bons nomes tanto para flor quanto para um inseto. Como as maria-sem-vergonha, esses últimos tipos vêm se multiplicando de forma assustadora nesse esquisito país em que o Brasil está se transformando.

    De dentro do pote acompanho o que se passa, e na minha fantasia tenho um narizinho que encosto no vidro, desconsolada. Primeiro porque não dá para sair. Depois, pelo que vejo: as pessoas desanimadas voltando para seus cantos com seus cartazes amassados, melhor, voltando para vácuos, já que estão sendo renegadas – e com razão – todas as formas de política, só que sem que nada esteja sendo posto no lugar, sem quadros ou lideranças expressivas. Muita falação, pouca ação. Muita resignação, e aí justamente reside um enorme perigo. A passividade das medidas despencadas nas nossas cabeças, fatos entregues prontos como tortas assadas.

    Ainda vagalume, tento fazer como nos filmes animados, jogar o corpo em todas as direções, me debatendo, dentro do vidro, para fazê-lo tremer e, quem sabe, ao cair da mesa e despedaçar-se, eu consiga novamente voar e piscar minha luzinha verde e amarela. Fiquei bem impressionada em saber que os vagalumes brasileiros, mais comuns, piscam nessa frequência colorida, a de nossa bandeira. Somos lampirídeos: nossos vagalumes piscam em verde e amarelo. Olha só: os elaterídeos, não sei por que chamados salta-martins, têm luzes que vão do verde ao laranja. E ainda tem os fengodídeos, conhecidos como trenzinhos, com luzes como as dos faróis de trânsito, verde, vermelha, amarela. Esses últimos devem ser mais conhecidos dos tucanos. Piuí!

    Para as estrelas, símbolo do time que nos governa nesse momento, e que gostam de fazer uns arranjos mais para remendos que soluções, no entanto, seria maravilhoso se todos nós pudéssemos nos transformar em vagalumes, gerando energia com nossas lanternas. Mas só para ajudar a que o país não pare tão tristemente como acontece nos radicais momentos de apagão como o que ocorreu agora, causada por uns gravetos malvados que queimaram por aí, segundo as afobadas autoridades com suas enormes bocas de comer chapeuzinho. Só para isso eles gostariam, esses predadores.

    Porque se tivéssemos mesmo umas lanternas que pudessem iluminar todos os desfeitos antes que produzissem efeitos, seríamos mais que lindos. Seríamos imprensa. Seríamos lidos e levados mais a sério com os nossos alertas.

    São Paulo, 2013

    (*) Marli Gonçalves é jornalista – Vive piscando por aí. Tentando iluminar algumas saídas. Mas de vez em quando cai na armadilha, e fica presa dentro do vidro sem nem poder reagir, sem asas, como uma boa vagalume fêmea.

    Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo