A lógica da falta de lógica

(*) Carlos Brickmann –

No conto clássico O Estrela de Prata, em que esclarece o desaparecimento de um cavalo campeão e o assassínio de seu treinador, Sherlock Holmes comenta com o detetive da Polícia que o que mais lhe chamou a atenção foi o comportamento do cão de guarda. O detetive lembrou-lhe que o cão não fizera nada. Respondeu Holmes que a falta de latidos foi sua principal pista.

No Brasil inteiro, os imbecis que quebraram equipamentos públicos e jogaram lixo nas ruas ficaram livres da ação policial. Uns 20 vândalos, no máximo, devem ser processados. Quebraram vidraças de lojas e bancos, incendiaram bandeiras do Brasil, puseram no lugar a de Cuba, agrediram jornalistas, jogaram pedras em policiais e ficaram numa boa. Atacaram PMs com cavaletes e placas de rua, empunharam barras de ferro para brigar, voltaram em paz para casa. Em compensação, a PM deu banhos de spray de pimenta em manifestantes não violentos, desarmados, que se limitavam a gritar palavras de ordem.

Como no caso de Sherlock Holmes, o que mais chama a atenção é a passividade policial diante dos bandos violentos (em contraste com a truculência diante dos manifestantes mais calmos). No conto policial, o detetive concluiu que o cachorro não tinha latido porque conhecia o criminoso – e estava certo: o criminoso era o dono do cavalo e do cachorro. A inação policial diante de quem tinha de ser contido e preso, e isso em todo o país, deve ter motivo semelhante. O policial é condicionado a obedecer.

Por que desobedeceria, justo nesse caso?

Isso ou aquilo

De duas, uma: ou os governadores, todos, perderam o controle de suas polícias, ou mantêm o controle sobre elas. Das duas, qual a pior hipótese?

O trabalho enobrece

Manifestações de rua, parlamentares dizendo que o clamor popular vai ditar sua conduta. Aí surge na Câmara a Medida Provisória 615, para sanear as finanças de pequenos agricultores. É ideia interessante, bem embasada; pode-se ser contra, mas o objetivo é louvável. Claro que a Câmara transformou os 16 artigos originais da MP em 49, pendurando nela até a transformação de licenças de táxi em propriedade que pode passar aos herdeiros, mas isso acabaria sendo derrubado. Enfim, é coisa a ser debatida. O deputado Fernando Ferro, do PT de Pernambuco, estava no plenário para isso numa segunda-feira, dia em que raros parlamentares se dão a esse trabalho. Jogava paciência no Ipad enquanto a MP era discutida. A deputada Iriny Lopes, do PT do Espírito Santo, ex-ministra de Políticas para Mulheres, também estava no plenário. Fazendo palavras cruzadas.

Esse pessoal não tem jeito: até quando trabalha dá um jeito de não trabalhar.

A lei, ora a lei

Favela do Morro do Amor, Rio de Janeiro, Zona Norte. Ali, traficantes que se dizem evangélicos fecharam terreiros de candomblé e umbanda e proibiram símbolos ligados a cultos de origem africana. Proibiram até roupas brancas às sextas-feiras. De acordo com o jornal carioca Extra, o Ministério Público vai investigar o crime de intolerância religiosa.

Este colunista, com certeza erradamente, acha que o mundo ficou maluco. Se os referidos cavalheiros são traficantes, seja qual for a religião que digam professar, ou mesmo que não sigam nenhuma, têm de ser presos por tráfico, ponto. E, enjaulados, como é correto, que sejam investigados por intolerância religiosa e outros crimes que tenham cometido.

Mas é preciso começar pelo começo: se já se sabe que são traficantes, por que continuam soltos?

Papai pode tudo

Janaína de Almeida Stédile é a chefe de Projetos e Obras Públicas da Prefeitura de São Bernardo do Campo, dirigida pelo petista Luiz Marinho. É arquiteta e foi nomeada para cargo que não exige concurso. Seu pai é João Pedro Stédile, chefe supremo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, MST.

Aos inimigos, ajuda

Uma ONG israelense que não divulga seu nome, nem o de seus dirigentes e integrantes, está fornecendo alimentos, produtos de higiene e remédios a refugiados sírios. “As pessoas não pedem licença para matar, então não pedimos licença para salvar”, diz Yael (revela apenas o primeiro nome, e deve ser fictício). Quase mil toneladas de produtos diversos foram entregues aos sírios, por uma rede de contatos clandestinos. Há hoje dois milhões de sírios refugiados no Exterior, expulsos pela guerra civil. Tanto os 1.200 voluntários israelenses quanto seus contatos sírios correm risco de vida, já que a Irmandade Muçulmana não admite que se preste ou receba ajuda sem pertencer a seus quadros.

Aspereza e suavidade

O presidente americano Theodore Roosevelt dizia que se deve falar macio e ter um porrete nas mãos. A presidente Dilma Rousseff, neste caso da espionagem brasileira, fala duro mas age com gentileza. Ao que tudo indica, irá aos Estados Unidos no dia 23, conforme previsto. Dilma tem interesse na visita (e Obama, sem dúvida, também). Há algumas propostas de cooperação a analisar.

E, quando fica bom para os dois lados, a tendência é que logo se acertem.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.