Problema a caminho – “O governo concorda com a iniciativa russa para dar fim ao derramamento de sangue e evitar uma guerra.” Assim o primeiro-ministro sírio, Wael al-Halqi, justificou a decisão de colocar as armas químicas do país sob inspeção internacional.
Caso Damasco mantenha o que foi dito pelo chanceler, dentro de pouco tempo os inspetores das Nações Unidas deverão retornar à Síria. Desta vez, não para documentar mais um ataque com os armamentos químicos, mas sim para coletá-los e, em seguida, destruí-los.
Os inspetores ficarão diante de uma tarefa complexa, pois nas últimas décadas a Síria não assinou qualquer acordo internacional relativo a armas químicas. A forma como o país atualmente lida com elas se baseia num tratado de 1925.
Na época, conheciam-se poucos detalhes sobre os arsenais, como explica o especialista independente em questões armamentistas Ralf Trapp. Segundo ele, a única certeza é de que as reservas de armas são consideráveis: “Fala-se em cerca de mil toneladas, distribuídas por várias locações.”
Obstáculos em série
As sindicâncias por parte de futuros inspetores terão, por isso, que ser abrangentes. Primeiro, é preciso inventariar as armas, de modo que se saiba o número de depósitos e sua localização exata. Em seguida, cabe examinar as reservas, uma tarefa que exige a boa vontade de todos os envolvidos.
“Pré-condição básica é que todos os partidos da guerra civil síria participem do processo, tolerando-o e apoiando-o. Enquanto os combates perdurarem, tais investigações são impossíveis”, sublinha o especialista.
Oliver Meier, especialista em controle de armamentos do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP, na sigla original), sediado em Berlim, concorda que, sob as atuais circunstâncias, a inspeção e consequente destruição das armas químicas é quase impraticável.
As experiências com outros países até o presente, ressalta, mostram que tais programas são trabalhosos e tecnicamente complexos, além de custarem muito dinheiro e exigirem paciência.
“Todas as inspeções, até agora, transcorreram sob condições muito mais favoráveis. Há pouca experiência acumulada sobre o que fazer num conflito como esses, que primeiro precisa ter fim. Sabe-se como foi, em parte, na Líbia, mas não nessas proporções”, explica.
Também não se pode excluir que o ditador sírio, Bashar al-Assad, vá esconder dos inspetores uma parte de seu arsenal. Se a inspeção ocorresse no contexto do acordo internacional existente sobre armas químicas, talvez houvesse possibilidades de investigar imediatamente as dúvidas, diz Trapp. No entanto, é incerto que tal procedimento seja aplicável nas condições atuais.
Por isso, a operação exigirá muito pessoal e tempo, explica Meier. Já há alguns meses os Estados Unidos calcularam quantos soldados e especialistas seriam necessários para dominar o arsenal químico sírio no âmbito de uma intervenção – ou seja, sem a concordância do governo sírio. Na época, os estrategistas militares chegaram a um total de 70 mil homens.
Uma operação com base num acordo internacional, no entanto, exigiria bem menos pessoal. “Mesmo assim, as inspeções e controles precisam dispor de condições de segurança. Não é nenhuma missão que se conseguirá concluir em poucos meses. O programa como um todo se estenderá por muitos anos”, antecipa o colaborador do SWP.
Segurança em questão
Não só a inspeção, mas também a destruição das armas é trabalhosa, lembra Ralf Trapp. É praticamente impossível abarcar um arsenal com as dimensões presumidas usando unidades de pequeno porte ou móveis para eliminação de armas químicas.
“Para tal, seria necessário construir unidades próprias”, afirma. “Tudo isso pode durar vários anos. Uma pré-condição é que se disponha de suficientes verbas para isso. Só aí se pode começar com a eliminação propriamente dita”, completa.
A destruição do arsenal existente, por outro lado, não garante que um futuro governo não se sinta tentado a possuir armamento químico. Em princípio, a aquisição está cada mais fácil, afirma Oliver Meier. “As tecnologias avançam, e muitas das substâncias necessárias à produção estão disponíveis numa série de instalações industriais.”
O caso da seita japonesa Aum, em 1995, mostrou como é simples conseguir armas químicas. O grupo perpetrou um atentado com gás tóxico no metrô de Tóquio, matando 13 pessoas e ferindo 54 gravemente, além de ter deixado cerca de mil com ferimentos leves.
Apesar de suas limitações técnicas, mas empregando meios financeiros consideráveis, os seguidores da seita conseguiram produzir e empregar gás sarin. “Em princípio, portanto, é possível levar a cabo um programa desses fora dos controles estatais”, conclui Meier.
Em relação à Síria, o primeiro passo é localizar e eliminar o arsenal existente. Para tal, inspetores e técnicos devem contar com proteção suficiente, o que, por sua vez, exige apoio político, enumera Trapp. Porém, ele não está seguro de que tal apoio possa ser mantido ao longo de anos. “Eu, pelo menos, tenho minhas dúvidas. Mas sem esse apoio, a coisa não vai ser possível. Ou vai dar errado.” (Deutsche Welle)