(*) Ucho Haddad –
No momento em que o mundo é movido à competição e o ser humano camufla a autofagia com as parafernálias cibernéticas chamadas redes sociais, torcer pelo sucesso de um amigo e ficar feliz quando isso acontece é uma quase anormalidade nos dias atuais. E por falar em anormalidade, por ser normal tornei-me um anormal. E por ser anormal só consigo viver próximo a semelhantes.
Como sabem os mais chegados, sou de tal forma apaixonado por música que Deus me presenteou com um amigo maestro. Ele não usa aquelas calorentas roupas de pinguim e nem anda com a batuta para lá e para cá, mas é o que se pode chamar de um excelente piloto de picapes, nome mais modernoso das pretéritas vitrolas. Camiseta, jeans e tênis, ele é o estereótipo do casual contemporâneo. Falo de Billy Umbella, o cara! Não é o cara sobre quem escrevo, mas ele é o cara em muitos sentidos, começando pelo da audição.
Senhor de todos os sons e todos os tons, Billy ultrapassa com folga os trinados que escapam de seus sets, das suas vitrolas. Como anormal que sou, o que está claro no começo do texto, fiquei extremamente feliz ao saber que Billy foi escolhido para abrir as apresentações de Beyoncé Knowles em sua nova passagem pelo Brasil. É bom lembrar que ser o preâmbulo da mais bem paga chacrete do planeta não é pouca coisa. Pelo contrário, é coisa até demais. Muitos dirão que minha felicidade pelo sucesso Billy se deve ao fato de não sermos concorrentes. Intriga da oposição, pois ainda me emociono com as coisas verdadeiras, inclusive com o sucesso dos concorrentes, dos adversários, dos inimigos. Por que não haveria de estar feliz pelo sucesso de um amigo como Billy?
Minha admiração por Billy vai além do formal. Nos vemos pouco, é verdade, mas nos falamos com frequência ligeiramente maior. Mesmo assim, nos ócios sabáticos a que me dedico, com o devido merecimento, vez por outra, em meio à preguiça, arrumo algumas horas no final de semana apenas para ouvir o bordão “som na caixa maestro Billy”, que regularmente está no palco do programa de Luciano Huck.
Podem pensar que sou amigo do maestro Billy por sua notoriedade como “globeleza”, mas não tenho esse fascínio burro que muitos nutrem de maneira insana. Sou amigo de Billy Umbella apenas e tão somente pelo ser humano que é. Sempre animado, como uma música que não quer parar, Billy é aquele disco de vinil que não risca. É colocar na vitrola e sair dançando. Amigo com todas as letras, pai de A a Z, de Estelinha e Vitória, Billy é um ser inenarrável. Plenamente musical, o mestre de cerimônias de Beyoncé encontrou o amor da sua vida em uma mulher nascida em 7 de setembro. Ou seja, a mulher dele é uma “parada”, no bom e cívico sentido, e ele cuida do som do desfile. O pior, ela manda, ele obedece. O que não poderia ser diferente com quem ama uma mulher nascida no dia da Independência e em plena ditadura militar.
Mas Billy tem detalhes tão impressionantes que ouso repeti-los aos que comigo convivem. Nas vezes em que fui ao seu estúdio, o maestro sempre me atendeu com atenção. Dono de vida agitada, como o som da balada, Billy dedica-se invariavelmente aos que o procuram. É indescritivelmente humano. Poucos e pequenos foram os favores que lhe pedi, mas um dia decidi arriscar e pedi um maior. Mas a minha ousadia tinha como companheira a certeza de um sim, explicado pela grandeza de um ser humano inenarrável.
Passo a mão no telefone e digo: “Billy, quero dar uma festa na cadeia”. Claro que o maestro ficou mudo e sem entender o meu pedido, mas ao ouvir a devida explicação o sim surgiu como música das mais afinadas, como sempre. À época, estava à frente de um programa dedicado às detentas da penitenciária feminina do Tatuapé, na Zona Leste da Pauliceia Desvairada. O Natal se aproximava e o meu desejo era proporcionar uma festa dançante às “meninas” que frequentavam as minhas “aulas”. Naquele tempo, ofereci ao governo paulista um programa batizado de “Sonhos Gigantes, Mínimos Espaços – Resgatando a dignidade feminina no cárcere através da palavra”.
Contudo, precisava colocar um som no meio das tantas palavras que proferi ao longo de dois anos naquele presídio que não mais existe. Numa tarde de sábado, eis que vejo Billy, não o maestro, mas o ser humano indescritível e da melhor qualidade, adentrar ao presídio com certo acabrunhamento, que com o avanço das horas desapareceu. Em um pavilhão da penitenciária, o meu amigo abriu seu arsenal de CDs e a cadeia simplesmente “bombou” durante horas. Ver a alegria daquelas mulheres, que pelas mais diversas razões tiveram a liberdade cerceada, foi um dos mais emocionantes momentos da minha vida. E esse presente eu devo a Billy Umbella, a quem agradecerei até o último suspiro.
Adepto do dito popular que Deus não dá asas a cobra, reconheço que o Criador foi justo com o maestro Billy, e assim continuará sendo, pois se a música é a “sua praia”, a musicalidade maior está na alma. Alma de quem não tem medo de ser humilde e competente, de brilhar ao seu modo em constelação muitas vezes fosca e prepotente, de ser fraternalmente amigo. Billy é de tal modo especial, que até o sogro gosta dele. O que é coisa rara. Mas isso é possível porque, nesse caso específico e pelo lado positivo, sogro e genro se merecem.
Com a devida licença do popular Wally, deixo a pergunta que não quer calar: Onde está Billy? No palco da chacrete Beyoncé. Vai que é tua, Billy, porque se o merecido sucesso tem múltiplos donos, você é o porteiro do condomínio. No amontoado de fãs estou na fila do gargarejo. Obrigado pela amizade!
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e cometarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.