EUA veem com cautela discurso moderado do novo presidente iraniano na ONU

(Getty Images)
Pé atrás – Distanciando-se de forma clara do seu antecessor, Mahmoud Ahmadinejad, o primeiro discurso do novo presidente iraniano, Hassan Rohani, aos líderes mundiais foi ausente de retórica anti-israelense e propôs negociações com os Estados Unidos sobre a disputa em torno do programa nuclear iraniano. O que merece a devida cautela, pois, seguindo o que prega a sabedoria popular, quando a esmola é demais até o santo desconfia. Como nessa história inexistem santos, o melhor é redobrar o cuidado.

Na terça-feira (24), Rohani, ao discursar na Assembleia-Geral das Nações Unidas, afirmou que o Irã está preparado para assumir negociações “ligadas a prazos e direcionadas a resultados”. Ele assegurou completa transparência e afirmou que o governo de Teerã não tem pretensões a armas nucleares. Rohani abriu seu discurso dizendo que o Irã não representa nenhuma ameaça à paz e à segurança mundiais, declaração que não pode ser levada completamente a sério, pois os bastidores do mercado de urânio apontam em outra direção.

Hassan Rohani insistiu no direito de seu país ao enriquecimento de urânio, que não estaria a serviço de objetivos militares: “O objetivo do programa nuclear de qualquer país deve ser somente o uso pacífico. Eu declaro aqui com toda clareza que esse é o único fim do programa nuclear iraniano”. Armas nucleares não teriam lugar na doutrina de segurança e defesa e seriam contrárias à convicção religiosa do país.

Anteriormente, em seu discurso na ONU, o presidente americano, Barack Obama, havia deixado claro que os Estados Unidos não iriam tolerar a posse de armas nucleares pelo Irã. Obama disse, no entanto, que Teerã tem direito ao uso pacífico da energia nuclear. Desde o drama envolvendo o sequestro de mais de 50 cidadãos americanos, em 1979, Irã e Estados Unidos não têm mais relações diplomáticas.

Em seu discurso, Rohani afirmou que Teerã não estaria procurando nenhum acirramento das relações com os Estados Unidos. “Eu escutei hoje atentamente as declarações do presidente Obama. Se houver vontade na liderança dos EUA e esta não seguir grupos de interesse belicosos, é possível alcançar um ambiente no qual podemos lidar com nossas diferenças.” O respeito mútuo seria a pré-condição. “Mas naturalmente esperamos de Washington uma linguagem consistente.”

Avanço nas negociações

Mesmo antes da Assembleia-Geral, já estava claro que haveria certo avanço nas negociações nucleares com o Irã. A Casa Branca declarou que na próxima quinta-feira haverá um encontro do Irã com as potências nucleares com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Alemanha. Obama nomeou negociador o seu secretário de Estado, John Kerry.

Obama acatou cautelosamente os sinais de abertura do novo presidente iraniano como base para um possível acordo nuclear, mas o esforço fracassado de agendar um aperto de mãos entre os dois líderes sublinhou uma desconfiança intrínseca, difícil de ser superada.

Em seu discurso nas Nações Unidas, Obama disse que estava determinado a testar os recentes sinais diplomáticos e instou o Irã a tomar passos concretos com vista à resolução da longa disputa em torno do programa nuclear iraniano.

Faltou um aperto de mãos

A falta do aperto de mãos foi um sinal das dificuldades que EUA e Irã enfrentam em empreender uma abertura histórica após décadas de hostilidade. Autoridades americanas disseram que não conseguiram agendar um encontro informal entre Rohani e Obama, afirmando que as dificuldades estavam do lado iraniano.

“Nós indicamos que os dois líderes poderiam ter tido uma discussão à margem se houvesse a oportunidade”, disse uma autoridade americana. “Mas ficou claro que era muito complicado para eles empreender isso agora, dada a dinâmica interna deles.”

No entanto, mesmo um curto encontro teria sido simbolicamente importante, considerando que seria o primeiro contato face a face entre lideranças americanas e iranianas desde antes da revolução islâmica de 1979, que expulsou o xá Reza Pahlavi, apoiado pelos Estados Unidos.

Republicanos e democratas

Embora as palavras de Rohani tenham repercutido amplamente como um sinal de aproximação entre o Irã e o Ocidente, analistas afirmaram que elas também se dirigiam a um público doméstico. Rohani condenou as sanções internacionais ao Irã, comparando-as a medidas punitivas contra o Iraque à época de Sadam Hussein.

“As sanções são violentas”, disse Rohani à Assembleia Geral, acrescentando que as verdadeiras vítimas seriam os cidadãos comuns, mais do que as elites políticas.

De acordo com autoridades americanas, as sanções impostas pelo Congresso dos Estados Unidos, e que estão prejudicando a economia iraniana, seriam as verdadeiras responsáveis pelo tom moderado da nova liderança iraniana. De qualquer forma, Obama deverá enfrentar dificuldades no Congresso para realizar seu mais recente objetivo político: o esforço de melhorar as relações com o Irã.

Diversos republicanos e alguns apoiadores democratas de Obama estão céticos quanto aos sinais de aproximação do novo presidente iraniano. “Nós precisamos abordar a atual iniciativa diplomática com olhos bem abertos, e não devemos permitir ao Irã que utilize as negociações como instrumento de atraso e decepção”, afirmaram em declaração conjunta os senadores republicanos John McCain, Lindsey Graham e Kelly Ayotte.

Muitos políticos americanos são profundos apoiadores de Israel e suspeitam que o Irã esteja tentando montar um arsenal de armas nucleares. Tal posição, que divide profundamente republicanos e democratas, dificulta um consenso sobre uma política de distensão dos Estados Unidos perante Teerã. (Com agências internacionais)