Covardia explícita – Comete um grande equívoco quem aposta em solução de curto prazo para o impasse na Síria, que se acirrou depois que o ditador Bashar al-Assad usou armas químicas contra os adversários, promovendo a matança de mais de 1,4 mil pessoas, sendo 400 crianças.
Nessa queda de braço que se ergue a partir da capital Damasco estão interesses políticos internacionais que ultrapassam com folga as fronteiras sírias. Depois de uma semana de discussões sobre possível ataque militar direcionado, comandado pelos Estados Unidos com o objetivo de dar um duro recado ao governo local, o presidente russo Vladimir Putin entrou no circuito e conseguiu “convencer” o colega Barack Obama que o ideal seria uma solução diplomática, como de fato é. Mas não se deve dar espaço a Assad, que é adepto da diplomacia somente diante das câmeras e age de forma truculenta nos bastidores.
Acontece que Putin aplicou um drible na Casa Branca, que acreditou na disposição do Kremlin de buscar uma saída negociada para o uso de armas químicas, mas que não garante o fim da guerra que já dura mais de dois anos e já fez dezenas de milhares de vítimas. A grande questão nesse caso é como tirar o sanguinário e truculento Bashar al-Assad do poder e quem colocar em seu lugar. Isso porque os adversários do ditador sírio são tão extremistas quanto ele.
Desacreditada quando o assunto é decidir sobre ações militares em países onde a democracia está ameaçada, a ONU parecia ter recuperado parte de sua combalida força, mas as esperanças ruíram nesta quarta-feira (25), um dia após a abertura 68ª Assembleia-Geral, ocasião em que a crise síria foi um dos assuntos principais. Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China fecharam um acordo no Conselho de Segurança da ONU sobre o arsenal químico de al-Assad, revelaram diplomatas ocidentais às agências de notícias Reuters e France Presse, mas o representante russo desmentiu a informação.
“É só pensamento positivo”, disse o porta-voz da delegação russa nas Nações Unidas. “Isso não é a realidade. O trabalho sobre o esboço de resolução ainda está em andamento”, completou.
Uma autoridade do governo dos EUA disse que há “progressos”, mas não confirmou a celebração do acordo, cuja base teria sido definida após encontro dos representantes dos cinco países com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Um desfecho para a crise síria pode demorar muito a surgir, pois o país árabe tornou-se massa de manobra para uma disputa de poder no cenário internacional. Duelam nesse cenário de sangue e barbárie o norte-americano Obama e o russo Putin, que tentam provar aos terráqueos quem tem mais força. Uma bobagem descomunal, considerando o fato de que pessoas mantêm com a vida essa guerrinha particular entre Washington e Moscou.
Manter a crise na Síria por mais alguns longos meses é o desejo de Bashar al-Assad, que aceitou entregar o seu arsenal químico, não sem antes avisar que essa operação seria complexa e demoraria pelo menos um ano. Com isso, a instabilidade política no Oriente Médio continuará crescendo, o que torna viável um enfrentamento pontual entre países da região. Vladimir Putin, que surgiu em cena na condição de salvador da humanidade, mas há muito vem apoiando o ditador sírio, só tem a lucrar em termos políticos se o impasse persistir. Isso porque Obama se enfraquece no cenário internacional, principalmente na região.
Reduto de terroristas, muitos dos quais responsáveis pela instabilidade quase perene no Líbano, a Síria conta também conta com o apoio do Irã e da China. O Irã apoia a ditadura síria porque Bashar al-Assad representa uma ameaça constante ao Estado de Israel, que por enquanto deixou de frequentar os discursos de primeira hora do governo de Teerã, mas não se pode confiar plenamente na candura da bandeira agitada pelo novo presidente do país, Hassan Rohani, que pode ser um lobo em pele de cordeiro.
Com a prorrogação da crise na Síria, alguns países da região, aliados dos Estados Unidos, também ficam com o pé atrás. É o caso da Arábia Saudita, que tem apoiado logística e financeiramente os adversários de Assad, e a Turquia, que mesmo fazendo parte da União Europeia é aliada de Washington e não quer ver seu território tomado por um conflito. E o impasse em relação às armas químicas garante novos capítulos crise síria.
A situação torna-se ainda mais perigosa em termos de conflito porque a Irmandade Muçulmana, que está a um passo de ser proibida no Egito, é um dos pilares dos rebeldes sírios e em breve poderá enviar seus integrantes para reforçar a resistência a Assad. A Irmandade Muçulmana, que também tem seus tentáculos na Arábia Saudita, reforça o caixa dos rebeldes sírios com dinheiro do governo do Qatar, que é dono da TV Al Jazeera.
Resumindo, há os que fingem preocupação com a situação caótica da Síria, mas na verdade têm na mira os próprios interesses. Isso prova que a prorrogação do impasse trará consequências imprevisíveis, o que coloca todo o Oriente Médio sob tensão, porque há na região um conflito diuturno de interesses. E para que o mundo árabe vá pelos ares não é preciso muito.