São coisas nossas

(*) Carlos Brickmann –

Os magistrados votaram contra Marina Silva e lamentaram o voto que tinham acabado de dar. Pediram desculpas porque, sabe como é, tinham de cumprir a lei.

Marina Silva disse que seu partido, apesar da derrota, venceu: “Se não temos o registro legal, temos registro moral perante a sociedade brasileira”. Lembra Cláudio Coutinho, técnico da Seleção que perdeu a Copa da Argentina e proclamou o Brasil campeão moral. Mas a taça ficou com los hermanos.

Enfim, é verdade que a Rede de Marina, mesmo derrotada, é um fato político real; é verdade, também, que os juízes, apesar das desculpas, cumpriram rigorosamente a lei. Nem Marina nem os juízes estão errados. Errada está a lei.

Só há um motivo para que tribunais decidam se um partido pode ou não ser criado: o dinheiro público. O Tesouro paga aos partidos para que existam, dá-lhes de presente horários caríssimos, em todo o país, na TV e no rádio; em troca, o Estado impõe leis que disciplinam a organização partidária. Imaginemos que se inverta a equação: que os partidos surjam livremente, reunindo quantas pessoas quiserem formá-los (uma? Que seja uma!), e paguem suas próprias despesas, sem nada de dinheiro público. O filtro caberá ao eleitor, que escolherá quem deve ou não ocupar cargos eletivos. E que haja uma cláusula de barreira – como o que existe em outros países do mundo, normalmente de 5% dos votos – para impedir que legendas que só servem para atrapalhar se aboletem no Parlamento.

Funciona assim em outros países. Mas quem quer desistir das tetas oficiais?

Os sonhos

Marina e sua equipe não conseguiram cumprir as formalidades burocráticas porque confundiram declarações de apoio com fichas regularmente assinadas e corretamente encaminhadas. É como achar que amigo do Facebook é amigo.

É como pensar que quem ganha no Banco Imobiliário fica rico na vida real.

A realidade

Já a turma do trabalho duro e obscuro montou o Pros e o Solidariedade. Trabalharam na letra da lei. E seus sonhos, convenhamos, não são os de Marina.

O comentário

O deputado federal Domingos Dutra, do PT maranhense, saiu do partido porque não aguentava mais o suplício de conviver com a família Sarney. Entrou no Solidariedade, de Paulinho da Força.

Um dia Domingos Dutra irá descobrir que realizar seu sonho nem sempre é a melhor coisa que lhe pode acontecer.

A primeira vez

O prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad, disse que foi ao trabalho de ônibus, na quinta. Louve-se a discrição do prefeito: ninguém viu, ninguém comentou, não houve fotos, se ele não contasse ninguém ficaria sabendo. E a linha que disse ter tomado não existe.

Mas, tirando isso, vale a pena imaginar como Sua Excelência, sempre tão engomado, viveu sua primeira experiência no nosso transporte coletivo. Observou que a criadagem de seus companheiros de ônibus é muito mal treinada: as roupas estavam muito mal passadas. Alfaiates e costureiros também não eram dos melhores: o caimento e o ajuste dos trajes deixavam a desejar. O serviço era insatisfatório: o chofer não usava luvas nem paletó, e sequer se deu ao trabalho de descer para abrir-lhe a porta. O garçom que fica perto da catraca, além de não ir até ele para levar-lhe a conta, resmungou ao receber a nota de cem. Cartão de crédito internacional, nem pensar!

Muita novidade. Mas com algo ele estava habituado: o veículo era Mercedes.

O cordão de sempre

Antônio Ferreira Pinto, ex-secretário da Segurança do governador paulista Geraldo Alckmin, filiou-se ao PMDB, que se opõe ao tucano Alckmin. Mas tudo se encaixa: após deixar o Governo, Pinto foi contratado pela Fiesp. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, seu novo patrão, é o candidato do PMDB ao Governo.

Mais coisas nossas

Na última coluna lembramos o caso da menina de 15 anos, do Pará, enfiada numa cela com 20 homens e lá deixada por 26 dias, durante os quais foi estuprada mais de cem vezes. Veja a coincidência: por pouco a juíza que mandou prendê-la numa cela cheia de homens não virou chefe da Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes em Belém do Pará. A nomeação chegou a ser publicada no Diário Oficial, na quinta; mas, alertado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB paraense, o Tribunal de Justiça cancelou a promoção da juíza. Escapamos!

Mais coisas nossas

O Brasil tem jabuticaba, tem Justiça Eleitoral, tem réu condenado julgando o tribunal que o condenou, tem sistema de TV colorida que é único no mundo, tem um tipo de tomada que, diria o poema, só existe mesmo por cá. E tem o Ministério da Fazenda ensinando emissoras de TV a promover sorteios.

Por exemplo, as tevês precisam comprovar que os prêmios têm sustentabilidade, seja lá isso o que for. Se os sorteios forem vinculados a marcas (como o Avião do Faustão), precisarão por algum motivo ser autorizados pela Caixa. E as cartas de concorrentes ao sorteio só poderão participar se o envelope for pardo ou branco e medir entre 9 e 14 cm de largura, e entre 14 e 23 cm de comprimento.

Por que? Porque sim.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.