Utopia bolivariana – A ideia de conter a inflação ordenando um congelamento de preços não é nova e costuma dar errado. Ainda no início deste ano, a presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, fracassou em iniciativa do gênero. E a má experiência do Plano Cruzado ainda vive na memória de milhões de brasileiros
Contudo, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, parece considerar excelente a ideia: no último sábado (9), o governo venezuelano ordenou a ocupação imediata das lojas de uma cadeia de artigos eletrônicos, sob a acusação de especulação de preços, e ordenou a venda dos produtos “a preço justo”.
Maduro mal acabara de falar e multidões já se dirigiam às unidades da rede Daka. A notícia fez com que as pessoas comprassem o que vissem pela frente, o que culminou com saques. Pouco depois, sem se abalar, o presidente anunciou novos controles de preços e a edição de uma lei que restringe os lucros das empresas a 30%.
A medida visa conter uma inflação galopante de 50% e se encaixa na argumentação da “guerra econômica” que, segundo Nicolás Maduro, o setor privado estaria empreendendo contra o seu governo. A crise econômica por que passa a Venezuela, afirma Maduro, é culpa dos empresários.
Ministério da Felicidade
Quanto maior a crise, maiores parecem ser os esforços do presidente em prol da felicidade de seus cidadãos. No final de outubro, o político o bolivariano criou o Vice-Ministério para a Suprema Felicidade Social do Povo. O novo órgão realizou seu primeiro ato de impacto ao decretar, já no início de novembro, a abertura das festividades do Natal – para tirar a amargura do povo, como explicou o presidente na cerimônia inaugural, cercado pelos três Reis Magos.
Há meses é registrada a carência dos artigos mais básicos. Em meados do ano, 50 milhões de rolos de papel higiênico importado se tornaram símbolo da escassez na decadente economia venezuelana. Mas faltam também gêneros ainda mais vitais, como leite, açúcar e farinha de trigo. E não se trata de uma questão de poder aquisitivo, como relata de Caracas um observador político que prefere permanecer anônimo. “Mesmo aqui, no município abastado de Chacao, há duas semanas não consigo mais leite.”
Beneficência patriarcal
Para muitos observadores, a falta aguda de bens de primeira necessidade é consequência de anos de má gestão econômica pelo governo do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Quando a legenda chegou ao poder, no final da década de 1990, na bagagem política do finado tiranete Hugo Chávez, a Venezuela era um dos países mais ricos da América Latina por causa do petróleo. Mas só a elite deste país de 28 milhões de habitantes lucrava com os petrodólares.
Chávez prometeu mudar isso e obteve, assim, o voto de muitos venezuelanos insatisfeitos. E manteve a promessa. Mas, em vez de reorganizar uma redistribuição sistemática de riqueza em consenso com os protagonistas da economia, Hugo Chávez estatizou a indústria petroleira e distribuiu presentes generosos, observa o especialista em América Latina Stefan Rinke, da Universidade Livre de Berlim.
“O dinheiro era simplesmente esbanjado: em vez de investi-lo de forma direcionada, para alavancar a economia, ele era distribuído entre os pobres, em gestos de beneficência patriarcal, e entre os governos esquerdistas estrangeiros.” Maduro, o sucessor indicado por Chávez, adota o mesmo modelo. “Ele leva adiante o curso populista do seu pai de criação político”, resume o politólogo.
No exemplo atual, o governo prometeu publicamente que não faltarão brinquedos – a preços moderados, obviamente – no mercado, a fim de garantir o sucesso da festa de Natal antecipada. O observador anônimo de Caracas explica que, para o sistema funcionar, o governo disponibiliza divisas para as empresas, com as quais elas podem comprar as mercadorias.
Pois a questão é que também faltam dólares: enquanto o governo se aferra à cotação oficial de 6,3 bolívares por dólar, no mercado negro a moeda norte-americana custa até dez vezes mais.
“Maburro” em declínio
Diante desse quadro, é forçoso se perguntar como as coisas vão continuar. As eleições municipais da Venezuela, marcadas para o começo de dezembro, não apresentam risco para o PSUV em nível nacional. Mas podem ameaçar a posição de Maduro, avalia o observador de Caracas. “Talvez haja uma mudança de liderança no partido governista.” Afinal, o vice-líder do partido, Diosdado Cabello, é um político mais experiente que Maduro.
Também entre a população é cada vez mais negativa a imagem do presidente. “Mesmo nos bairros mais pobres, cresce a dúvida de que Maduro seja capaz de resolver os problemas”, comenta o informante local. As canhestras aparições públicas do presidente lhe valeram o apelido de “Maburro”. Durante um tour ciclístico com os jovens do partido, ele caiu da bicicleta diante das câmeras; num discurso, dirigiu-se aos “milhões e ‘milhoas'” de venezuelanos. E – ao menos para parte da população – o Natal antecipado tampouco é um atestado de que o presidente esteja fervilhando de ideias sobre como debelar a crise. (Com informações do DW)