As ordens desordenadas

(*) Carlos Brickmann –

carlos_brickmann_09As sentenças do Mensalão estão sendo executadas, como manda a lei; o julgamento foi legal e democrático, na forma da lei. Mas há certos detalhes que incomodam quem acredita que a lei não deve se prestar a excessos nem abusos.

1 – Os condenados foram recolhidos pela Polícia Federal em São Paulo e Belo Horizonte e levados a Brasília. Sabendo-se que o normal é que os presos cumpram pena perto de suas famílias, por que tirá-los de São Paulo e Minas e levá-los a Brasília, apenas para depois trazê-los de volta? É caro. Além do avião, mobilizam-se agentes que poderiam fazer outras coisas. No mínimo, desnecessário.

2 – A pressa. OK, é simbólico determinar a prisão de gente poderosa no Dia da Proclamação da República. Mas este simbolismo não está na lei. E, para que existisse, os presos foram enviados à prisão sem especificação do regime, nem a reserva de acomodações para o regime semiaberto. No mínimo, desnecessário.

3 – O show. Prisão não é espetáculo; a privação de liberdade, por mais justa, correta, legal e necessária que seja, é sempre uma tragédia. Divulgar os horários, para que televisassem o avião na pista? Há quem diga que é pedagógico mostrar que a pena está sendo cumprida. É a mesma justificativa cruel usada por Governos que promovem execuções em praça pública. No mínimo, desnecessário.

4 – José Genoino e Roberto Jefferson submetem-se a delicados tratamentos de saúde, e isso é fato público. Tratá-los como se não tivessem problemas e esperar que seus advogados informem o fato oficialmente é, no mínimo, desnecessário.

A volúpia da masmorra

A condenação e a prisão de uma pessoa lhe impõem a privação de liberdade. Mas, para parte da opinião pública, isso é insuficiente: é preciso tripudiar. É a história dos banhos frios, das privadas turcas: em que isso contribui para qualquer objetivo legítimo? Prisão não é masmorra, ou não deveria ser. E há coisas inaceitáveis: por exemplo, a prisioneira Kátia Rabelo não pode sequer tomar sol sem ser escrachada por câmeras de TV?

Alguém deu o horário certo. Para que?

Em boca própria

Reclamar da condenação faz parte do jogo: grande parte dos condenados sempre se diz inocente, sejam quais forem as provas contra eles. Mas Genoíno e Dirceu se considerarem presos políticos é meio muito: não foram punidos pelo que pensam nem por sua posição política, e o Governo está há mais de dez anos em mãos de seu partido. Mas que eles assim o digam, vá lá.

Duro é ouvir de jornalistas a comparação entre a prisão de Genoíno e o caso Herzog. Pior é ver que Delúbio Soares se intitula “ambientalista e preso político”. Ambientalista! Pois é.

O Mensalão do outro lado

Um dos grandes motivos das reclamações dos partidários dos condenados está sendo afastado: o Mensalão mineiro, berço que gerou o Mensalão nacional, deve ser julgado pelo Supremo no primeiro semestre do próximo ano, segundo o relator Luís Roberto Barroso. O Mensalão mineiro envolveu o desvio de dinheiro público para a campanha de reeleição do governador Eduardo Azeredo, do PSDB, em 1988 (Azeredo perdeu para Itamar Franco). Azeredo foi presidente nacional do PSDB e hoje é deputado federal. E quem, além dele, está citado no caso? Marcos Valério, claro; seus sócios; o Banco Rural, de novo; Clésio Andrade, da Confederação Nacional de Transportes, candidato a vice de Azeredo; Walfrido dos Mares Guia, que era vice-governador e secretário de Azeredo. Mares Guia saiu do processo por ter completado 70 anos. Extinção de punibilidade.

Outro lado?

O PT pede (com justiça) o julgamento do Mensalão mineiro. Mas, como ensinavam os antigos gregos, os deuses, quando querem destruir um homem, atendem a seus desejos. Azeredo ainda é tucano. Marcos Valério, seus sócios e o pessoal do Banco Rural mudaram de lado e já foram condenados no Mensalão; Clésio Andrade mudou de lado e hoje é lulista desde criancinha. Mares Guia também tinha mudado de lado, mas não terá problemas.

Além de Azeredo, o Mensalão mineiro deve atingir os mesmos do Mensalão propriamente dito.

La dolce vita

A filha de Walfrido dos Mares Guia, Erika, dona de uma loja de roupas finas em São Paulo, casou-se na semana passada em Punta del Este, com show de Dionne Warwick.

Diz a imprensa uruguaia que a cerimônia custou US$ 3 milhões.

Eleição? Nada a ver

A grande pergunta: em que o caso do Mensalão influenciará as próximas eleições presidenciais? A resposta é simples: dificilmente terá alguma influência. Há muitos anos os partidos sabem que denúncias de corrupção não afetam resultados eleitorais. Neste caso, menos ainda: faltando quase um ano para a eleição, há tempo suficiente para diluir a memória do caso. Com todas as acusações que sofreram, Jader Barbalho, Joaquim Roriz, Paulo Maluf, José Roberto Arruda sempre se elegeram com facilidade (Jader, Maluf e Arruda foram presos, fotografados na prisão e isso não se refletiu nas urnas).

A última pesquisa do Ibope, a propósito, indica que, no tumulto das condenações do Mensalão, a presidente Dilma cresceu e, hoje, venceria no primeiro turno qualquer de seus adversários.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.