Em Bali, uma nova chance à complexa e empacada Rodada de Doha

roberto_azevedo_02Missão impossível – O brasileiro Roberto Azevêdo já está acostumado a enfrentar tarefas difíceis. Durante cinco anos, ele representou o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra – e conseguiu, entre outras coisas, que os europeus reduzissem suas subvenções para o açúcar.

No início de setembro, o diplomata assumiu a chefia da OMC. E agora ele tem novos problemas para resolver. Ele quer alcançar o que seu antecessor, Pascal Lamy, não conseguiu: fazer com que a chamada Rodada Doha, que teve início há mais de 12 anos com o objetivo de liberalizar o comércio mundial, seja finalmente bem-sucedida.

Há 12 anos, representantes de 159 países se reuniram em Doha, capital do Catar, com o objetivo de reduzir as barreiras comerciais no mundo, com foco especial no livre comércio para Estados em desenvolvimento. Há cerca de uma década, porém, reina uma paralisação quase total das negociações.

“Os Estados Unidos exigem das economias emergentes, principalmente de China, Índia, e Brasil, um melhor acesso ao mercado e uma redução de tarifas alfandegárias para produtos industriais”, lembra Clara Brandi, especialista em política comercial do instituto alemão DIE. “Em contrapartida, os países emergentes e em desenvolvimento demandam dos países industrializados que eliminem as subvenções às exportações e ao setor agrícola.”

Novo momento

As posições estão tão inflexíveis que a maioria dos observadores acredita que a Rodada Doha esteja em morte clínica. Azevêdo, porém, não dá o braço a torcer. Ele conseguiu a realização de um novo encontro: de 3 a 6 de dezembro, os ministros do Comércio da OMC vão se encontrar em Bali, na Indonésia.

“A esperança é que em Bali se crie um novo momento para as negociações multilaterais e que a OMC recupere uma parte de sua credibilidade”, afirma Brandi.

Especialistas afirmam que um novo acordo multilateral traria vantagens para todas as partes interessadas. “A eliminação de barreiras alfandegárias iria estimular o comércio mundial, seria um impulso bem-vindo para o crescimento”, diz Jürgen Matthes, do instituto de economia IdW, baseado em Colônia.

Segundo ele, uma redução de apenas 1% nos custos comerciais e alfandegários criaria 40 bilhões de dólares a mais de receita em todo o planeta – também para países em desenvolvimento.

Acordos paralelos

Muitos países não esperam mais pela conclusão de um tratado multilateral como a Rodada Doha – em vez disso, tomam o assunto em suas próprias mãos, fechando acordos bilaterais e regionais. E isso pode ser desvantajoso.

“Quando, por exemplo, os EUA e a União Europeia ou a UE e o Japão fecham um acordo comercial, eles se concedem vantagens mútuas, que não garantem a outros países. Isso direciona o comércio e prejudica aqueles que estão do lado de fora”, assinala Matthes.

Brandi compartilha a mesma opinião. Para a economista do Instituto Alemão de Desenvolvimento, acordos pequenos, bilaterais e regionais não podem substituir um grande acordo multilateral na OMC e enfraquecem “o princípio da não discriminação na Organização Mundial do Comércio”.

Jürgen Matthes avalia que nem sempre tais negociações bilaterais transcorrem de forma justa. Ele diz que grandes atores como UE, EUA e Japão podem explorar mais fortemente seu poder de barganha frente aos mais fracos. “Temos um grande mercado a oferecer e, se sentarmos à mesa de negociações, por exemplo, com o Vietnã, já está claro quem vai comandar o jogo”, opina.

Pouca paciência

Atualmente, mais de 350 acordos de comércio bilaterais ou regionais se encontram no banco de dados da OMC e do Banco Mundial, e ao menos 35 estão em negociação. O exemplo mais conhecido é a intenção da União Europeia e dos EUA de fecharem um tratado de livre comércio. Isso, para os especialistas, pode significar o fim definitivo da Rodada Doha.

“Existem também políticos e especialistas que esperam que as negociações transatlânticas possam trazer um novo impulso para a Rodada Doha”, diz Carla Brandi. “Mas eu não acredito nisso.”

Também Jürgen Matthes afirma ver as negociações transatlânticas entre UE e EUA como uma ameaça tácita, com o intuito de fazer com que os países emergentes e em desenvolvimento voltem à mesa de negociações. “Ou seja, isso traz, por assim dizer, um pouco de maquiavelismo para a política comercial. Mas ainda não se sabe se isso não vai fazer com que a posição dos países emergentes fique ainda mais intransigente”, ressalta.

Sem atrativo

O planejado era a elaboração de um “pacote de Bali”, que os ministros de Comércio dos Estados-membros da OMC deveriam ratificar. Mas isso não deverá acontecer – apesar das ofertas tentadoras de EUA, Japão, Canadá e União Europeia.

O pacote deveria conter algumas boas ações em prol dos países emergentes e em desenvolvimento: simplificações no desembaraço alfandegário como, por exemplo, a eliminação de obstáculos comerciais no setor agropecuário para países em desenvolvimento ou medidas adicionais de ajuda para países menos desenvolvidos (LDCs, na sigla em inglês).

Durante um período de transição, os países mais pobres deveriam ser autorizados até a comprar alimentos a preços fixados pelo governo, para criar reservas para o abastecimento da população – o que já é um espinho nos olhos para muitos defensores da pura economia de mercado.

As negociações preliminares para o encontro ministerial em Bali fracassaram na semana passada em Genebra, como escreveu o “The Wall Street Journal”. Um pequeno grupo liderado pela Índia teria criado dificuldades no último momento. Os negociadores não puderam entrar em consenso sobre um acordo válido mundialmente para simplificar entraves alfandegários – a Índia teria exigido “mais flexibilidade na implementação” dos acordos os países emergentes. (DW)