O assassinato covarde do cinegrafista e a oportunidade que Santiago nos deixa

(*) Editorial –

editorial_01Precisou que uma vida fosse ceifada de maneira covarde para que as autoridades percebessem que o direito à livre manifestação precisa ter limites, os quais não podem atropelar o que determina o conjunto legal vigente no País, sob pena de o Brasil dar mais um largo passo na direção do totalitarismo, que por enquanto avança sorrateiramente travestido de democracia.

Longe de se fazer o que quer, democracia é também e principalmente o respeito ao próximo e às leis, já que uma nação só existe à sombra desse binômio inviolável. Quando a baderna ameaça esse conceito basilar, a democracia está sob séria ameaça. Liberdade de expressão, como garante a nossa Carta Magna, não é passaporte para os desvarios dos integrantes de grupos criminosos que se vendem como prostitutas no lupanar da falsa ideologia.

Qualquer pleito que emana da sociedade deve ganhar força no campo do diálogo, jamais no terreno da brutalidade e da destruição. O que temos visto nos últimos meses é uma sequência de atos de vandalismo explícito, como se atitudes dessa natureza resolvessem algo. Amparados pelo embuste que se formou no imaginário coletivo de que tudo é permitido, os manifestantes creem que destruir é a solução, enquanto o Estado se acovarda cada vez mais diante da obrigação de manter a ordem.

A tragédia que se abateu sobre o cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da Rede Bandeirantes, cuja morte cerebral foi anunciada na manhã de segunda-feira, 10 de fevereiro, deixa a imprensa nacional enlutada e envergonha o Brasil, nação que vê sua reputação afundar na vala do achincalhe. Reverter o que feito está é impossível, mas a perda de uma vida humana precisa servir de ponto de partida para reflexão sobre o momento que vive o País. É inaceitável que uma vida valha um quarto de real, preço fixado pelos marginais que cobrem o rosto porque a covardia que pulula em cada um é infinitamente maior do que a suposta ousadia.

Esses criminosos que se vendem como anarquistas, sem ao menos saber o que significa o movimento baseado em uma utopia existencial que por certo assustaria até mesmo o homem das cavernas, querem derrubar todas as formas de governo e de Estado, mas exigem que governos e Estado financiem suas incursões baderneiras, as quais deveriam ser contempladas com a implacabilidade da lei. Em outras palavras, os baderneiros profissionais defendem um anarquismo de encomenda, onde o Estado, que em tese deveria ser extinto, funcionaria como cornucópia da ilegalidade.

A esses párias resta apenas a cela do presídio mais próximo, já que homicídio, doloso ou não, e destruição do patrimônio, público ou privado, são crimes tipificados de maneira cristalina no Código Penal. A linha de pensamento que norteia o nosso trabalho foi, é e sempre será a mesma: o respeito incondicional às leis, pois do contrário o Brasil será transformado em paraíso da ilegalidade, se é que isso já não virou realidade. Que se levantem contra nós os marginais da liberalidade, porque o nosso destemor é alimentado pela coerência do pensamento, enquanto nossa convicção está amparada pelo equilíbrio do pensamento.

O Estado brasileiro vive sob constante ameaça da incompetência crescente dos governantes, que sequer percebem que a própria letargia provoca a reação de uma sociedade burra e mal formada. Só mesmo ignaros conseguem enxergar a violência como solução para os problemas de um regime ainda democrático. No momento em que a democracia for sepultada pelo totalitarismo, apenas o transporte público gratuito é o que restará a esses vendilhões que fazem da rebeldia de araque a cimitarra que risca o couro da lógica.

Como sempre acontece, a presidente da República e seus bajuladores ressurgiram em cena para, pegando carona na morte de Santiago Andrade, afirmar que a violência precisa ser banida das manifestações. Até outro dia, os palacianos defendiam a violência, ao mesmo tempo em que seus respectivos partidos as financiavam por vias escusas. Esse discurso mentiroso e de ocasião serve para maquiar as campanhas eleitorais que, ao arrepio da lei, já estão em curso.

No Congresso Nacional sobraram profetas do apocalipse, que nos próximos dias repetirão a cantilena marota que marcou tragédias anteriores, sem que nada tenha sido feito para evitar o pior. Isso perdurará enquanto o cadáver de Santiago Andrade render algum dividendo político. Já vociferam alguns oportunistas de plantão que o Parlamento fará a sua parte para que tragédias como a que vitimou o cinegrafista não se repitam. Para tal basta que os legisladores definam de forma clara, com direito à fixação de duras penas, o que é ato de terrorismo. É exatamente isso, terrorismo, que os integrantes do Black Bloc têm praticado nos últimos meses, desde a primeira manifestação, em junho de 2013. Em qualquer país civilizado e sério esses marginais já estariam contemplando o nascer do sol atrás das grades de celas de segurança máxima.

No âmbito midiático refestelam-se vozes defendendo a adoção de medidas que garantam a liberdade de imprensa e o exercício do jornalismo. Enquanto o Estado for complacente com a desordem, ser jornalista continuará sendo uma profissão de altíssimo risco. Referência não apenas aos que cobrem manifestações marcadas pelo vandalismo, mas também àqueles que são diuturnamente intimidados e ameaçados por agentes do Estado, que não suportam ver seus desmandos dissecados pelos profissionais sérios da notícia.

Todos esses discursos são politicamente corretos, mas resta saber quem dará suporte emocional e material à família de Santiago Andrade, que teve a vida ceifada e os sonhos interrompidos. A frieza criminosa dos baderneiros é tamanha, que enquanto colegas do cinegrafista desmontavam-se em lágrimas no Rio de Janeiro, nova manifestação acontecia no centro da capital fluminense. E com direito a momentos de afronta aos policiais, que acompanharam o protesto com o dever de manter a ordem.

A busca pela notícia sempre exige um passo adiante, mas é preciso que cada profissional da imprensa conheça os limites derradeiros da própria segurança. Ultrapassá-los é colocar a própria vida na linha de tiro, como aconteceu com o cinegrafista da Band. Entidades ligadas aos temas jornalísticos e midiáticos escalaram seus representantes para balbuciar teorias esdrúxulas que repetem o óbvio e violam o raciocínio mais apurado de quem pensa, mas esses mesmos teatrais fantoches já não se recordam da tragédia ocorrida com Tim Lopes. À época foi enorme a comoção, assim como grande foi o número de promessas de mudança. O status quo prevaleceu.

Entre uma manchete e a segurança de um profissional de imprensa, a vida tem privilégio por sua condição de notícia sempre inusitada, eterno furo de reportagem, mesmo que audiência não mais proporcione.

Santiago Andrade despediu-se da vida de maneira inesperada, na esteira da insanidade de um grupo de criminosos que alegam ter causa, mas sua morte trágica não será manchete perene, pois afinal a maior de todas as notícias foi e sempre será o trabalho realizado e a oportunidade que deixa a cada brasileiro de bem para repensar um país que está desgovernado e a um passo do precipício. Descanse em paz, Santiago!

O Editor