(*) Arnaldo Jardim –
Apagões podem ser causados por acidentes. Mas os apagões frequentes, de graus variados, evidenciam falhas no sistema elétrico brasileiro que está sendo mais exigido do que deve e carece de investimentos e manutenção de que necessita. As exigências sobre a rede elétrica do País estão maiores por causa do atraso crônico do setor. Dos projetos de linhas de transmissão com obras em andamento, 69% não serão entregues nos prazos contratuais. O atraso médio dos empreendimentos de transmissão é de um ano, o de geração é de oito meses e o das subestações, de seis meses, segundo o Instituto Acende Brasil.
Saibam todos que isso é obra do governo!
No início de fevereiro enfrentamos o primeiro apagão de 2014 – o décimo de grande extensão no governo de Dilma Rousseff – que afetou mais de seis milhões de pessoas em 13 estados de quase todas as regiões (menos do Nordeste). Exatamente um dia após o ministro das Minas e Energia Edson Lobão afirmar que havia risco zero de passarmos por um novo apagão, apesar dos reservatórios de água que alimentam as turbinas geradoras de eletricidade do Sul e Sudeste estarem cada dia mais secos. Conforme levantamento do Centro Brasileiro de Infraestrutura, desde 2001 o sistema elétrico sofreu 181 ocorrências de apagão consideradas todas as falhas no fornecimento de energia, independentemente do tamanho da área afetada, do período de interrupção ou da carga interrompida.
Infelizmente, a política energética brasileira esta errática, pontual e tem sido administrada de olho nas eleições, com discursos que se esfarelam na frente dos cidadãos quando as luzes se apagam de repente. É quando fica evidente a causa dos apagões. A Medida Provisória (MP) 579, transformada na Lei nº 12.783 em 11 de janeiro de 2013, que trata da renovação das concessões da geração e transmissão de energia, desestimulou os investimentos em manutenção e segurança, desestabilizou o setor elétrico e nem mesmo conseguiu garantir de maneira adequada um caminho correto para gerenciar valores mais baixos de tarifas.
Se o Brasil estivesse crescendo como nos bons momentos, estaríamos vivendo no escuro!
Durante os debates daquela MP no Parlamento apresentei várias emendas destinadas exatamente a evitar o que estamos vivendo hoje. Mas como em outros casos, o governo com mão de ferro impôs sua vontade e está incomodando os brasileiros e nos causando prejuízos periódicos. Tudo exatamente ao contrário do que anunciou a presidente, em janeiro de 2013, em rede nacional de rádio e televisão: que o Brasil tinha energia suficiente para o presente e para o futuro, “sem nenhum risco de racionamento ou qualquer tipo de estrangulamento, no curto, médio ou no longo prazo”. E que a conta de luz teria uma redução de 18% para as residências e de até 32% para as indústrias, agricultura, comércio e serviços.
A diminuição da tarifa de energia foi feita sob pressão, grandes equívocos e hoje o País mantém um custo represado, um grande subsídio a partir da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) que adiante custará ainda mais caro ao Estado e ao contribuinte. Para reduzir as contas de luz e evitar o aumento das tarifas de energia por causa da falta de chuvas, o governo gastou R$ 22,6 bilhões, em 2013. A fatura deste ano será muito mais salgada. E será paga pelos consumidores ao longo dos próximos anos, depois da Copa do Mundo e das eleições.
As empresas de transmissão de energia reduziram os investimentos previstos para melhoria da eficiência e segurança das redes do sistema elétrico porque estão quase à míngua depois das decisões intervencionistas do governo. Por falta de decisão, equívocos e insegurança o governo também inviabilizou nos últimos anos o uso de outras fontes como as PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), a geração de energia de biomassa, do bagaço de cana, por exemplo, além de manter parques eólicos prontos sem utilidade por falta de linhas de transmissão que não foram construídas no prazo por empresa estatal.
Falta transparência na política energética. Há muito tempo solicito informações sobre pautas, análises e decisões do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e até hoje não chegaram. Por qual razão o governo não deixa divulgar esses conteúdos aos cidadãos se até as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) se tornam públicas justamente pela responsabilidade de manter o País informado?
O Ministério de Minas e Energia adotou o Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE 2022, decorrente dos estudos de planejamento setorial elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). No plano estão previstos investimentos globais em energia da ordem de R$ 1,2 trilhão. E, ao longo dos próximos 10 anos, o crescimento da participação de fontes renováveis na capacidade instalada de geração elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) de 83,8% em 2012 para 85,8% em 2022. Muito longe da realidade, o nível de investimentos declinou pela insegurança diante da postura adotada pelo governo.
Não posso me omitir de fazer considerações políticas para entendermos as dificuldades de viés ideológico que temos pela frente, especialmente porque o Partido dos Trabalhadores, que comanda o governo, torce o nariz para programas de concessões e parcerias embora viva fazendo discursos sobre a importância das empresas, dos empresários e da iniciativa privada. O País não deve viver sem memória.
Na campanha presidencial de 2002, que levou Lula ao Planalto, Dilma se destacou na equipe responsável por formular o plano de governo na área energética, na qual seu partido bateu de frente e com força contra as privatizações do governo anterior. Por isso foi convidada a ocupar o Ministério de Minas e Energia em 2003, de onde saiu em 2005, depois de estabelecer as bases do plano energético que ela vem querendo impor.
Em 2004 a atual presidente dizia em evento público, em São Paulo, que o grande vilão de toda crise energética era a falta de planejamento e a ausência de regras claras para o setor. Afirmava que naquele modelo energético vigente não existia concorrência, o que representava grande risco para as empresas que exploram a energia. Por isso, afirmava, o valor da tarifa era alto. O novo modelo de Dilma defendia a convivência do mercado competitivo e o mercado regulado. O objetivo era garantir o abastecimento de energia elétrica, propiciar tarifas módicas e fazer com que cada elo da cadeia energética conhecesse o seu papel. O sistema também impediria o repasse ao consumidor de erros ou falhas de gestão e estipularia os preços e as quantidades de energia em leilões: todos esses cuidados para proteger o consumidor final.
A sistemática falta de apoio institucional e político do governo às agências reguladoras – basilar instituo constitucional – e a maneira como o executivo “experimenta” opções e caminhos para lidar com os graves problemas estruturais brasileiros – inclusive os de energia – têm mostrado que o discurso da presidente pode ter sempre muitas intenções e leituras, conforme as necessidades imediatas e ideológicas do governo, inclusive para corrigir as rotas desastradas. Na área de energia isso pode ser fatal para o País.
(*) Arnaldo Jardim é deputado federal pelo PPS-SP, presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional e membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.