(*) Ucho Haddad –
Pode parecer simples e óbvio fazer aquilo que se gosta, mas nem todos conseguem. Esse privilégio tem, muitas vezes, um preço alto que nem sempre as pessoas estão dispostas a pagar. Mas cada ser humano, creio, sabe aquilo que lhe convém. É nesse ponto que entra a escolha. Há os que escolhem a felicidade, há os que preferem fingir que são felizes. Felicidade não está relacionada à realização material. E quem pensa o contrário deixa-se ludibriar pelo equívoco. Muitos atrelam a felicidade ao dinheiro, mas esses, penso, são literalmente infelizes. No máximo conseguem ir ao shopping e de lá sair cobertos de sacolas, mas nenhuma delas conterá algo que não tem preço: a realização que surge quando se faz aquilo que se gosta. Até porque, realização jamais esteve à venda, nem estará.
Sou feliz porque faço o que gosto. Amo o que faço. E faria tudo outra vez se preciso fosse. Com os mesmos erros, pois deles sou o melhor produto. Fazer o que se gosta proporciona uma sensação tão plena, que na maioria das vezes é impossível descrevê-la. É como se estivéssemos em constante leveza, em sintonia com a alma, vivendo no Nirvana. Não há como ser feliz sem fazer aquilo que se gosta. Ouso dizer, apesar da redundância poética, que é preciso fazer com muito amor aquilo que se ama. Assim é a minha relação com as palavras, com a escrita, com o jornalismo. Uma relação de amor incondicional. Platônico, arrisco a dizer, pois escrever é o ar que respiro. E quando for para me despedir da vida, que seja entre as palavras.
Muito mais importante do que o sucesso naquilo que se faz é a felicidade de poder ter feito o que se gosta. E poder continuar fazendo. Moto contínuo da felicidade, movido pelo amor ao ofício, torna o todo absolutamente inexplicável. A obsessão pelo sucesso é a senha para a infelicidade. O sucesso surge como consequência de algo feito com dedicação, amor e devoção. Tal relação é por si só a receita do sucesso, que pode chegar a qualquer momento. E se não chegar, valeu por ter feito o que se gosta.
Um dia, ainda criança, cumpri as exigências educacionais da época e enfrentei um teste vocacional. O resultado não poderia ter sido mais absurdo: Veterinária. Lembro que não tenho o menor jeito para lidar com animais, assim como me cubro de covardia ao pensar em qualquer procedimento médico. Ou seja, tivesse seguido o resultado do teste estaria profundamente infeliz e seria um péssimo veterinário. Para a sorte dos animais segui o eco da alma e mergulhei no universo da escrita.
Deixando de lado o amor pela profissão que abracei, nove entre dez pais sonham em ver seus filhos bem sucedidos. O que, na maioria das vezes, significa ter uma gorda conta bancária. É quando entra em cena aquele velho discurso “ele está muito bem”. Mas quem está muito bem está feliz? Faz aquilo que gosta, que ama? Está realizado? Essas são perguntas sem respostas. Detalhes que normalmente as pessoas preferem deixar para trás, relegados a planos menores, quando na realidade deveriam estar em plano de destaque, em plano primeiro e único.
Sempre aconselhei meus filhos a fazerem aquilo que está dentro da alma de cada um. Dinheiro, o vil metal, é necessário para que cumpramos nossos compromissos financeiros, mas não é o vetor mais importante da vida do ser humano. Muitos pensam o contrário, mas confesso não me lembrar de ter ido a um enterro que tivesse um caminhão de mudança atrás do carro funerário. Nada contra quem amealha fortunas, mas desde que essas estejam acompanhadas da felicidade. Quero ser lembrado por ter vivido feliz, não por ter deixado fortuna. Eis o meu discurso para os filhos.
Supostamente normal, afinal me acusam de ser louco, dia desses fui tomado pela emoção. Tudo dentro dos conformes, pois não sou do tipo que diz que homem não chora. Entendo que qualquer um pode e deve chorar. E eu choro, sim, e daí? Demorei quase duas horas para ter os olhos cheios d’água, mas isso ocorreu ao abraçar meu filho, João Francisco, a quem chamo de Juca, que naquele dia estreava como ator. Muito além do que aconteceu no palco, o espetáculo maior foi a sua decisão de seguir a própria intuição, de dar espaço ao amor pela profissão. A sua felicidade saía pelos poros, estava cunhada no seu sorriso, escorria junto com o suor produzido pelo esforço no palco.
Horas antes, por telefone, disse que estava muito feliz por ele estar feliz. Por ter seguido o coração, por ter ouvido os sussurros da própria alma. Lembro-me, como se hoje fosse, do momento em que, há quase 25 anos, através do vidro insensível do berçário, vi pela primeira vez o homem que dias atrás estava em cima do palco. Não sei qual emoção foi maior: a da maternidade ou a do teatro. Diferentes, talvez, mas concorrentes. Chorei na maternidade, chorei, um quarto de século depois, na plateia do teatro.
Humilde, equilibrado, de alma cândida e coração doce, João de novo me comoveu. Mais do que isso, proporcionou-me tranquilidade apenas por vê-lo e senti-lo plenamente feliz. O que é muito! Ter alcançado essa felicidade é mérito próprio, sem a interferência de quem quer que seja.
João, muito obrigado por me fazer chorar. Ser feliz é um presente inenarrável, fazer o que se gosta não tem preço, competência nenhum dinheiro compra. Com determinação e superação constantes siga o caminho escolhido, pois na plateia estarei até quando Deus quiser. Lembre-se que o mais importante é fazer o que se gosta, sempre com muito amor. Valeu, Juca!
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.