Os serviços públicos no trânsito: os abusos no varejo

(*) Rizzatto Nunes –

rizzatto_nunes_04Estacionar em local proibido, em fila dupla, descumprir regras mínimas de civilidade no trânsito deve, naturalmente, sofrer a devida sanção legal. Ninguém discorda. Mas, é necessário cumprir estritamente o comando normativo. Meu amigo Outrem Ego fez essa pergunta novamente: “Os agentes públicos estão preparados para cumprir a lei? Ou, a perspectiva é outra: a da arrecadação?”

A CET – Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, em termos de eficiência como agente arrecadador, está de parabéns, pois é muito competente para lançar multas.

Na sociedade capitalista, como sem sabe, as empresas são avaliadas pelo desempenho, por sua capacidade de produção, distribuição, assim como por suas vendas, receitas e lucratividade. Ou seja, a empresa que dá certo administra bem seu negócio, atingindo seus objetivos de forma eficiente e com alto retorno.

Outra forma de avaliar empresas diz respeito a seus empregados e colaboradores. Se eles conhecem o produto e o serviço, se respeitam seus clientes, atendendo-os adequadamente, com respeito e segundo as regras estabelecidas, então, a empresa merece nota dez. Bem, se a CET estiver focada na arrecadação está atingindo seus objetivos, mas e o cumprimento da lei e a função social da atividade pública como andam?

Num antigo artigo meu (publicado em 16-4-2012) narrei dois casos absurdos envolvendo funcionários dessa empresa pública. Veja agora mais esse: o filho de meu amigo citado, cursa o ensino médio numa grande escola no bairro de Pinheiros, na Capital de São Paulo. Na semana passada, como faz todo dia, Bete, sua mulher, foi buscar o filho na escola. Como são dezenas de crianças que saem ao mesmo tempo por um único local e como não há lugar para estacionamento de veículos, forma-se na porta da escola uma fila de carros que flui devagar, na medida em que os jovens vão saindo e entrando nos veículos de seus pais ou condutores. Repito: trata-se de uma escola repleta de estudantes.

O saída é por volta das 13:10 horas. Obviamente, os pais vão chegando um pouco antes e vão se enfileirando. E assim que as crianças e adolescentes saem, a fila anda. Muito bem, na semana passada, um funcionário dessa eficiente empresa, a CET, mais conhecido como marronzinho, bateu no vidro de uma a um dos veículos e foi dizendo que no dia seguinte eles seriam multados. Veja o diálogo com a mulher de meu amigo:

– A senhora não pode ficar aqui.

– Por que? – perguntou ela.

– Por que é proibido estacionar.

– Mas, eu estou esperando meu filho sair, como, aliás, todos os demais que aqui estão.

– A que horas ele sai?

– Às treze e dez.

– Agora são treze horas. A senhora saia e volte em dez minutos.

– Mas, como? Se eu tentar dar a volta no quarteirão, vai demorar mais de dez minutos. E se todos saírem da fila para darem a volta no quarteirão não só vai demorar mais de dez minutos, como vai entupir todo o tráfego local.

– Não me interessa. É o último aviso. Amanhã virei multar todo mundo.

O que pretende o marronzinho? Que dezenas de veículos fiquem rodando em volta do quarteirão, dificultando ainda mais a vida dos demais veículos que passam por ali? Mas, não é função da CET ajudar o fluxo de tráfego ao invés de piorá-lo?

Pequenos poderes, grandes abusos. Uma das piores coisas que existe na relação do Estado com a sociedade é essa de funcionários investidos de pequenos poderes, mas sem o preparo adequado para exercê-los.

Os fatos são esses. A lei, eu coloco a seguir, para que possamos refletir a respeito e de forma jurídica. Antes de prosseguir, repito: é uma escola! Não é uma boate ou casa noturna. É uma escola!

Na via em que é proibido estacionar, a proibição é esta: estacionar. Parar pode. Estar parado não é estar estacionado. O marronzinho devia saber disso. E se, por conjuntura momentânea (como a saída simultânea dos alunos) muitos carros param ao mesmo tempo, isso não muda o fato: eles estão parados e não estacionados. Sabe-se que a norma penal (no caso, a multa de trânsito) só pode ser interpretada restritivamente.

Agora, o que diz a lei. Dispõe o artigo 47 do Código de Trânsito Brasileiro, verbis:

“Quando proibido o estacionamento na via, a parada deverá restringir-se ao tempo indispensável para embarque ou desembarque de passageiros, desde que não interrompa ou perturbe o fluxo de veículos ou a locomoção de pedestres”.

O legislador visou o condutor individual. A hipótese não foi pensada para as portas de escola, onde, por causa do fluxo normal de saída de estudantes e chegada de veículos o “tempo indispensável” não é o mesmo que o de apenas uma pessoa embarcando ou desembarcando. Basta um pouco de bom senso para sabê-lo. Bom senso…

E, veja só, meu caro leitor. Numa rápida pesquisa na web, encontrei a opinião de um agente de trânsito do Estado de Minas Gerais a respeito do tema. Trata-se do Sargento Carvalho, do Batalhão de Polícia de Trânsito de Belo Horizonte. Ele diz, com muita propriedade, que a “parada tem que estar atrelada a embarque/desembarque”, mas a lei refere pelo “tempo necessário”. Ele ressalta que quando fala em “tempo estritamente necessário”, a lei não define que tempo é esse, mas é preciso haver bom senso. (http://www.vrum.com.br/app/301,19/2011/04/16/interna_noticias,43693/parar-ou-estacionar-qual-e-a-diferenca.shtml)

Repito, então: bom senso, algo que talvez exista em Belo Horizonte, por que em São Paulo, se depender do funcionário da CET citado será caso de puro e simples abuso de poder. Além, obviamente, do desvio de finalidade das funções da empresa, que deveria cuidar de auxiliar o funcionamento do fluxo de veículos e não atrapalhá-lo!

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PU-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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