Alça de mira – “Você não consegue alcançar seus objetivos sem doping. Você tem que se dopar. É assim que funciona na Rússia”, afirma Vitaliy Stepanov no documentário “Doping – como a Rússia faz seus campeões”, exibido pelo canal estatal alemão ARD.
Stepanov foi funcionário da agência russa antidoping (Rusada) por três anos e também aconselhava o então diretor-executivo da entidade. Segundo ele, representantes do governo eram acionados quando havia testes positivos.
“Se fosse um esportista desconhecido, então o teste era anunciado como positivo. Mas se fosse alguém famoso ou uma jovem promessa de medalhas, era classificado como um ‘erro’ e deixado de acompanhar. Eu notava claramente que funcionários [do governo] tentavam garantir que alguns atletas nem sequer fossem testados”, lembra.
O esquema envolvia, entre outros, nadadores, ciclistas, biatletas, halterofilistas e esquiadores. Além do ex-funcionário da Rusada, o filme de 60 minutos da ARD tem como personagem principal a sua esposa, Yulia Stepanova, uma corredora de 800 metros rasos que está suspensa até janeiro por uso de substâncias proibidas.
Yulia, um dos grandes nomes mundiais na modalidade, acusa o chefe de equipe médica esportiva, Sergey Portugalov, de fornecer produtos proibidos em troca de 5% do salário do atleta.
“Você tem que se dopar, é assim que funciona na Rússia”, afirmou, repetindo a fala do marido. “Você precisa de um auxílio para ganhar medalhas, e esse auxílio é o doping.”
Ela inclusive afirma que o esquema de doping é de grande escala e afeta todo o sistema esportivo russo. “Isso é martelado na cabeça dos treinadores, que passam a pressão para os atletas. E se algum for pego, eles dispensam o atleta e pegam outro”, diz.
Stepanova também denuncia ser comum na Rússia que atletas, para evitar controles antidoping fora das competições, treinem no exterior usando nomes falsos. Ela chegou a mostrar à equipe da ARD diversas gravações de áudio e vídeo gravadas secretamente.
A atleta confirma que um dos treinadores-chefe do atletismo, Alexey Melnikov, e um dos principais médicos esportivos do país, Sergey Portugalov, estão envolvidos na aquisição de substâncias proibidas e no acobertamento de testes antidoping positivos.
Campeã olímpica envolvida
Além dos dois, o documentário também cita outros atletas e ex-atletas. Em um vídeo de telefone celular, a campeã olímpica de 2012 nos 800 metros rasos, Mariya Savinova, é mostrada ingerindo o anabolizante oxandrolona. Seu treinador, Vladimir Kazarin, é visto dando tabletes da substância a outra esportista.
A tricampeã da maratona de Chicago Liliya Shobukhova, que atualmente está cumprindo punição por uso de doping, é filmada alegando que teria comprado o seu lugar na equipe russa para os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, pagando 450 mil euros ao seu treinador. Shobukhova afirma que Melnikov exigiu o dinheiro para garantir que funcionários fechassem os olhos para uma violação de doping, cometida por ela em 2011.
Já a arremessadora de disco Yevgeniya Pecherina é mais incisiva. “A maioria dos atletas se dopa, cerca de 99% deles. E você consegue tudo. Quanto menos detectável é a droga, mais cara ela é.” Pecherina está suspensa por dez anos – até 2023 – por ser reincidente. Em 2011 ela fora suspensa por dois.
Entidade nega acusações
O chefe da Rusada, Nikita Kamaev, negou todas as acusações. “Todos os atletas que fazem tais alegações violaram as regulamentações antidoping no passado”, disse ele no documentário. “Essas pessoas então entram em contato com jornalistas e contam histórias. Para os profissionais, essas histórias são ridículas.”
A produção do documentário tentou entrar em contato com a atleta Savinova, com os treinadores Melnikov e Kazarin, além do médico Portugalov. Mas todos eles recusaram comentar sobre o assunto.
A Agência Mundial Antidoping (Wada) confirmou que tomou conhecimento do documentário e que vai se “certificar de que todas as questões levantadas sejam totalmente investigadas”.
“A combinação de todas essas coisas é terrivelmente chocante, muitos detalhes também são humanamente decepcionantes”, disse o diretor da Wada, David Howman. (Com agências internacionais)