Cadê o déficit que estava aqui

(*) Percival Puggina –

(Foto: Nádia Raupp Meucci)
(Foto: Nádia Raupp Meucci)
Retirar do mundo dos fatos o estouro do orçamento da União foi uma proeza como poucas. “Cadê o déficit que estava aqui?”, perguntava, zelosa, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “O gato comeu”, respondeu o Congresso, em sessão comandada por Renan Calheiros. A estatura moral desse senhor foi decisiva para seu retorno ao cargo no ano passado. E a longa jornada dos dias 3 e 4 de dezembro justificou plenamente a escolha do situacionismo. Renan cumpre contratos, seja para vender boiadas em Alagoas, seja para conduzi-las em Brasília. E tudo foi feito às claras, com as galerias vazias. Pudor exagerado. Até para entrar em cinema pornô basta ter mais de 18 anos.

Assisti pela tevê boa parte da sessão. Havia algo incomum nos discursos governistas. Raramente, os defensores do PLN 36 exaltaram os méritos do projeto. Foi como se reconhecessem que não os tinha. Sua aprovação era uma necessidade prática e urgente. Tratava-se de impedir que a oposição, fazendo uso daquela coisa perversamente neoliberal que é a LRF, acusasse a presidente de crime de responsabilidade. Esse era o resumo da pauta.

O deputado líder do governo, periodicamente, subia à tribuna e repetia o mesmo discurso ufanista. Fazia lembrar a personagem de Lewis Carrol no país das maravilhas. Falava como se fosse líder de um outro partido, de um outro governo, num outro país. Mas sobre os méritos do projeto, quase nada. Entende-se. Exigir do governo o cumprimento das leis é desatino próprio de fascistas e golpistas. O senador Lindbergh Farias dizia a mesma coisa. Quem hoje nos governa, quando na oposição, promove furiosas campanhas tipo fora este, fora aquele, fora todo mundo. Mas ai de quem, por maiores que sejam os escândalos, as promova contra eles.

O Planalto preparara tudo direitinho. “Extra, extra! Governo pode liberar R$ 10 bilhões!”. Na sexta-feira, 28 de novembro, o anúncio atravessara os corredores do Congresso em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Estava bem claro no texto do decreto sobre o qual se debruçavam os figurões e as figurinhas das duas Casas: a liberação, que incluía as sacrossantas emendas parlamentares e os constitucionais repasses aos Estados e municípios, dependeria da aprovação do PLN 36. Coerência em estado puro. Num governo onde é difícil encontrar área que não tenha virado Zona de Livre Comércio, não se haverá de estranhar que apoio parlamentar e quorum sejam negociados com dinheiro dos impostos que pagamos. A política, no Brasil, virou um exemplo para a população. Para a população carcerária, quero dizer.

(*) Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a Tragédia da Utopia” e “Pombas e Gaviões”. Integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

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