Edição pós-atentado do jornal parisiense Charlie Hebdo esgota em poucos minutos

    charlie_hebdo_21Flecha ligeira – Uma semana depois do atentado contra o jornal satírico Charlie Hebdo, que deixou 12 mortos, uma edição histórica da publicação chegou nesta quarta-feira (14) às bancas e esgotou em poucos minutos. Os franceses fizeram fila para comprar o semanário desde as primeiras horas da manhã. Para atender à demanda, a tiragem inicial de 1 milhão de exemplares foi ampliada para 3 milhões e depois para 5 milhões, que chegarão às bancas até o dia 19 de janeiro.

    Em Paris e nas grandes cidades francesas, os primeiros 700 mil exemplares da edição de Charlie Hebdo acabaram em poucos minutos. Leitores fizeram fila e só os que chegaram bem cedo, na abertura das bancas, garantiram o exemplar. Com a distribuição esgotada, muitos franceses compraram outro semanário considerado alternativo e satírico, “Le Canard Enchainé”, que também sofreu ameaça na última sexta-feira (9) de que seria o próximo alvo dos terroristas.

    Esta edição de Charlie Hebdo, chamada “os sobreviventes”, foi traduzida em cinco línguas: inglês, espanhol e árabe, para as versões digitais, e também em italiano e turco na versão impressa. A distribuição será em 25 países, algo inédito para a imprensa francesa. A capa, divulgada previamente, mostra a caricatura do profeta Maomé com uma lágrima, segurando o cartaz “Je suis Charlie” (“Eu sou Charlie”) e o título: “Tudo está perdoado”.

    O cartunista Luz, autor do desenho, explicou a escolha: “Não era a capa que muitas pessoas gostariam que fizéssemos. Mas é a capa que nós decidimos fazer. Não é a capa que os terroristas gostariam que fizéssemos, porque aqui não tem terroristas. Só um homem que chora, Maomé… Sinto muito, nós voltamos a desenhá-lo, mas o Maomé que desenhamos é um homem que chora antes de qualquer coisa.”

    Muitos muçulmanos consideram a reprodução da imagem do profeta Maomé uma ofensa. Depois do ataque contra a sede da revista, os irmãos Kouachi disseram que vingaram o profeta.

    Reações no mundo muçulmano

    O estilo polêmico e ousado do Charlie Hebdo, que mais uma vez marca a nova edição, provoca reações de condenação. A principal autoridade do Islã no Egito, Shawqi Allam, disse que a charge da capa de Charlie Hebdo “é uma provocação injustificada aos 1,5 bilhão de muçulmanos em todo o mundo”. A principal autoridade sunita, Al-Azhar, baseada também no Cairo, declarou que a caricatura “vai atiçar o ódio”. No Irã, o site de informação conservador Tabnak afirma que Charlie insulta novamente o profeta.

    O grupo Estado Islâmico considera “extremamente estúpida” a publicação das novas caricaturas.

    A união mundial das autoridades religiosas muçulmanas diz que a publicação só dará credibilidade à tese de que o Ocidente é contra o islamismo. Na França, os responsáveis muçulmanos pediram calma.

    Ao contrário da imprensa francesa e europeia, a maioria dos grandes jornais de países muçulmanos da África e da Ásia não reproduz a capa de Cherlie Hebdo em respeito à proibição, para os muçulmanos, de representar o profeta. Rara exceção é o jornal turco de oposição Cumhuriyet, que publica boa parte da edição dos sobreviventes.

    A capa de Charlie Hebdo não poderá ser vista em todo o mundo ocidental. Nos Estados Unidos, onde a sátira religiosa é tabu, e na maioria dos jornais britânicos, a charge não será reproduzida. No entanto, Washington fez questão de afirmar o “apoio absoluto ao direito de Charlie Hebdo publicar o desenho”.

    Compromisso com o secularismo

    O editor-chefe Gerard Biard agradece, em seu editorial, ao apoio a seu jornal. Ele também reclama que precisou de um ataque terrorista até que o meio político se comprometesse explicitamente com a laicidade, a separação entre religião e Estado.

    “Todas as pessoas anônimas, todos os políticos, as mídias, os líderes religiosos que disseram ‘eu sou Charlie’, precisam saber que também disseram ‘eu sou secularista’”, afirma.
    Segundo ele, não deve haver um meio-termo, depois do ataque terrorista contra o humor.

    Biard anunciou na terça-feira (13), em entrevista coletiva improvisada, que seu jornal continuará sem poupar religião alguma e que o direito à blasfêmia deve ser defendido.

    “Secularismo não é apenas um conceito vago, é um sistema de valores, é preciso ficar claro que a separação entre Igreja e Estado é o princípio mais importante da nossa república. Sem ela, não é possível haver liberdade, igualdade e fraternidade”, defende.

    “Apenas um homem bom”

    O governo francês quer apoiar o semanário com cerca de um milhão de euros. Se toda a edição for vendida, os editores do Charlie Hebdo arrecadarão mais do que em um ano inteiro.

    “Se o ataque foi bom para alguma coisa, foi para a promoção do Charlie Hebdo”, comentou sarcasticamente Luz. Durante a entrevista coletiva, ele teve de conter as lágrimas várias vezes e ser consolado pelo editor.

    Luz disse também que compreende a irritação que a capa da edição histórica provocou entre alguns líderes muçulmanos no Egito e no Paquistão. “Esta não é uma capa com terroristas. Não há terrorista algum. É apenas um homem chorando. Um homem bom que chora. Sinto muito se alguém esperou outra coisa. Esta foi nossa escolha”, destacou.

    “Claro que queremos que este seja um jornal engraçado. Vamos fazer os leitores rir, porque não sabemos fazer outra coisa. Isso deixa claro também que não conseguiram matar Charlie”, observou o editor-chefe após uma reunião de pauta, da qual também participou o primeiro-ministro francês, Manuel Valls.

    Se os terroristas quiseram calar a publicação satírica, eles fracassaram. Conseguiram o oposto. Desta vez, o jornal ainda foi traduzido para seis idiomas, incluindo o árabe. (Com informações da RFI e DW)

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