A revolta da bílis verde e amarela

(*) Marli Gonçalves –

Incrível como podemos ouvir até o barulho de tudo indo abaixo (só não posso dizer pela água) em velocidade que não é surpreendente porque nada mais surpreende a gente nesse país. Se bem que é melhor também não falar muito porque parece que a capacidade de piorar é mesmo infinita

marli_goncalves_22Sei que a Petrobras veio à sua cabeça, mas já tem tanta gente falando dela, dando um pau, destroçando as últimas decisões completamente desacorçoadas, que não preciso ser mais uma. Impressionante. E a orelha da presidente, se é verdade que a orelha esquerda coça quando a gente fala mal, já deve estar lá caindo os pedaços – na direita, a que coça quando se fala bem, dá para ela manter o brinquinho de pérolas.
Quero puxar seus olhos para que veja mais coisas que estão atrás da porta, despencando, falindo ou uma palavra mais certa, se deteriorando quase na velocidade da luz. Ops!

Luz, não, que está periclitante a questão da energia, com perigo de apagões e apaguinhos. Pronto.

Tá bom: cito primeiro a ética, que deve andar sequestrada por aí, a vergonha na cara, o uso de máscaras, mas de outro tipo. O “barata voa” das decisões e principalmente das indecisões. Não há mais lustra-móveis de peroba que dê jeito nas caras de pau. Pensar o Brasil em termos de flechinhas verdes para cima, quando algo melhora, e flechinhas vermelhas (sem ironia, apenas coincidência de cor) para baixo quando vai mal, vai nos dar saudades do verde, outro item que além da bandeira anda massacrado, desmatado, queimado, derrubado.

Mentiras, por exemplo, são ditas na nossa lata. Descartáveis, como tudo, e o que deve ser a moda desse futuro próximo. Continuamos sem saber porque tudo que a gente pega na mão no supermercado subiu de preço – alguns até mais de 50% – e a maioria não tem qualquer álibi para tal. Não tem lógica. Sobe aos pulinhos. E o nosso coração sofre, partido, por não poder levar aquela coisinha para casa, para nossa família. Me sinto uma verdadeira atriz do Massacre da Serra Elétrica, que corta sem dó os itens da lista de compra, mais magrinha do que governantes em regime Ravenna, que também já está me dando no saco de tanto ouvir falar.

Um amigo viajante outro dia me pareceu esgotado e eu perguntei por quê. A resposta foi precisa: está tudo ruim, aeroportos, estradas, hotéis, comunicação. Tudo fica mais difícil, demorado, arrastado. Já não somos tão jovens para calar sentados em um rolemã ladeira abaixo. E olha que não estou me referindo a qualquer saudosismo, digo isso sobre coisas que ao invés de serem criadas, como o foram, e ficarem melhores, estão piorando a cada dia. Tudo isso “sobe para a cabeça” dessa sociedade perplexa e influi diretamente nos relacionamentos pessoais.

Serviços públicos e seus servidores cada vez menos eficientes. Não temos água para jogar pedras e fazermos círculos concêntricos, mas nossas vidas estão em terrível círculo vicioso. A violência nos tira das ruas; e as ruas ficam ainda mais perigosas. Redes sociais deviam servir para unir – mas todo dia sabemos que houve um assassinato por conta delas, e a violência contra as mulheres parece não chocar mais, e agora já são os adolescentes que destroçam namoradas – gente que não vai ter nem o prazer de amadurecer para entender o que é o verdadeiro amor.

Precisamos de conscientização -há anos batemos nessa tecla – e de uso racional dos bens naturais. Há uma paranoia no ar e para onde olho vejo gente carregando água, num desespero atroz causado pela falta de informação confiável – já que não se confia mesmo em mais nenhuma informação da fonte que devia ser confiável e não é, muito menos para beber. Círculo vicioso e viciado, que não vai ter quem acabe com essa dependência, nem passo após passo.

Quando mais precisamos de higiene, proíbem crianças de lavar as mãos e escovar os dentes. Os reservatórios de águas paradas e malparadas viram criadouro dos pernilongos da dengue e chikungunya, ainda mais virulenta. Baratas e ratos daqui a pouco ganharão pista própria na cidade, pintada de alguma cor diferente, para pararem de atropelar nossos pés. Já que por aqui, em São Paulo, o prefeito continua com a brocha na mão, pintando, ou numa variação, com o spray, grafitando até patrimônios culturais tombados, como se a cidade tivesse feito um clamor por isso e não houvesse nada mais que ele precisasse fazer, além, claro, de arrumar o cabelinho na testa e ficar vendo a oposição criar barba e barbicha.

Tudo danificado, estragado, agravado, alterado, adulterado, decompondo, degenerando, deteriorando, modificado, falsificado, perturbado, apodrecido. Cada vez mais caro, descontrolado. Como eu gostaria de poder dizer tudo ao contrário, mas dia após dia só parece mais difícil.

Não me admira que se respire revolta. Temo apenas a hora que o povo enjoar de vez e começar a vomitar a bílis. Ela será verde e amarela.

“Feliz desaniversário”! – diria o coelho maluco de Alice. “Elementar, meu caro Watson”, diria Sherlock Holmes.

São Paulo, cidade perplexa, 2015

(*) Marli Gonçalves é jornalista – Percebeu que sumiram os videntes? Das duas uma, ou já se picaram, ou viram as evidências do futuro próximo e estão com medo de nos contar o que estão sabendo.

Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo

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