Após acordo milionário para a venda de ingressos da Copa no Brasil, Jérôme Valcke é afastado da FIFA

jerome_valcke_08Coisa de mafiosos – Depois de ser acusado de ter operado um sistema de venda de ingressos para a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, o francês Jérôme Valcke deixou o cargo de secretário-geral da FIFA nesta quinta-feira (17).

Investigado pelo Comitê de Ética a pedido da própria FIFA, o dirigente teve sua saída foi anunciada em comunicado oficial, com “fins imediatos”, pela entidade futebolística. “Valcke foi liberado das suas obrigações”, afirmou a FIFA.

O ex-secretário é acusado de ter fechado acordos para ficar com 50% dos lucros da venda de ingressos para a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil. O esquema revela um “mercado negro” de ingressos operando dentro da própria FIFA.

As acusações foram apresentadas nesta quinta-feira por Benny Alon, empresário israelense-americano que desde 1990 trabalha com a venda de ingressos para os Mundiais.

O caso

De acordo com o jornal “O Estado de S. Paulo”, Jérôme Valcke fechou acordos para ficar com 50% dos lucros da venda de ingressos para a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil. O esquema tinha o ágio de mais de 200% nos valores das entradas e teria envolvido mais de 2 milhões de euros, cerca de R$ 8,6 milhões (cotação desta quinta-feira), apenas para ele.

A JB Marketing, empresa de Alon, apontou para o sumiço de 8,3 mil entradas para a competição, as quais teriam de ser vendidas por eles no torneio. A empresa entrou em acordo em 2010 com a FIFA para vender pacotes de ingressos VIPs a partir de 2013, incluindo a Copa das Confederações. Porém, os lucros teriam de vir principalmente da Copa do Mundo no ano seguinte, no Brasil.

Pelo acordo, 11 mil ingressos em locais “nobres” dos estádios do Mundial no Brasil seriam entregues a Benny Alon, em um esquema bem armado em todas as cidades-sedes. A empresa teria o direito de escolher doze jogos para os quais pediria ingressos para colocar no mercado, com preços acima do valor oficial. Outros doze jogos seriam escolhidos pela FIFA, sendo que a entidade entregaria ingressos de partidas sem o mesmo apelo comercial. Esse último pacote envolveria 2,4 mil ingressos.

No final de 2012, no Rio de Janeiro, Alon falou durante a Soccerex com Valcke e pediu um novo encontro para tratar do assunto. A reunião aconteceu em março de 2013, quando o empresário viajou até Zurique e, durante reunião no escritório da FIFA, explicou que gostaria de renegociar a questão dos doze jogos mais fracos e obter melhores partidas para o Mundial de 2014. De acordo com Alon, pelo esquema montado, sua empresa perderia US$ 300 mil (R$ 1,2 milhão aproximadamente) se o acordo fosse mantido.

“Valcke foi até seu cofre, colocou suas digitais e tirou dali nosso contrato”, contou Alon. “Valcke então me perguntou: O que tem aqui para mim?”, revelou o empresário. “Eu respondi que poderíamos dividir 50% para cada um. Naquele momento, não pensava que a divisão seria com Valcke, mas com a Fifa e que a entidade ficaria com 50% do lucro que eu fizesse”.

Pelo novo acordo, os ingressos que a JB poderia vender não seriam mais as entradas para jogos “fracos”, sem muito apelo comercial para público brasileiro, mas sim para os principais jogos do Mundial. Isso envolvia todas as partidas da seleção brasileira e a grande final no Maracanã, que depois soube foi entre Argentina e Alemanha. O acordo fechado era de que o valor do ágio na venda dos ingressos seria repartido em 50% entre a JB e Valcke.

No dia 2 de abril de 2013, Valcke confirma o acordo por e-mail. O entendimento era ainda de que os dois iriam se ver no dia seguinte em Zurique. Na ocasião, Alon traria o dinheiro em uma maleta. “Era um adiantamento”, detalhou o empresário.

O parceiro comercial de Alon, Heinz Schild, conta que foi até um banco em Zurique e retirou de um cofre o valor, não revelado ainda. “Era muito dinheiro”, confirmou. A mala usada também era um agrado. Valcke, francês, tem uma Ferrari branca e a mala, portanto, tinha o desenho de uma Ferrari branca com uma bandeira da França.

Naquele mesmo dia, o cartola escreveu a partir de seu e-mail oficial, [email protected]: “Estou desembarcando às 11h30 então perto das 11h45 na FIFA”, destacou. “Tenho um almoço às 12h com Jaime, seguido por encontros às 2h e depois às 3h com funcionários. Não tenho ideia de como podemos nos ver. Para os documentos, feche-os em algum lugar e lidaremos com isso da próxima vez”, completou.

Conforme Alon, a palavra “documentos” era usada por eles para falar de “dinheiro vivo”. “Não conheço nenhum outro documento que se usa para um fundo de pensão”. No e-mail, Valcke ainda se mostra preocupado com um impacto disso em uma eventual campanha para ser presidente da FIFA. “Numa potencial corrida para a presidência, não posso olhar para eles (documentos) até que eu tome uma decisão sobre o futuro”, escreveu em um dos e-mails.

No mais, ele é claro em apontar o valor da mala. “Documento é meu fundo de pensão se eu procurar algo, se eu não estiver mais na FIFA ao final de 2014 ou meados de 2015, no máximo”, completou Valcke.

Alon revela que o dinheiro voltou aos cofres do banco, mas continuou a atualizar Valcke sobre os lucros da negociata. Ainda naquele mês, um e-mail enviado pelo empresário a Valcke comemorava: “Estamos nos dando melhor que a Bolsa de Nova York”. Ingressos para os três primeiros jogos da Alemanha na Copa, com valor de face de US$ 190 estavam sendo vendidos por US$ 570, com total conhecimento da FIFA.

Para os jogos das oitavas de final, ingressos de US$ 230 eram vendidos por US$ 1,3 mil. Cinquenta dessas entradas eram para jogos em São Paulo, na Arena Corinthians, em Itaquera, onde o Brasil estreou na competição contra a Croácia. “Ganhamos US$ 114 mil cada sobre a Alemanha”, escreveu Alon para Valcke.

Atualmente, o empresário garante que o dirigente francês teria lucrado milhões ao final do processo. “Ele teria mais de 2 milhões de euros em lucros” revela o empresário. “Ele ganharia parte dos lucros”, acusou.

Entretanto, o esquema começaria a se complicar. No final de 2013, Alon foi chamado para uma reunião na FIFA alertando que o contrato teria de ser modificado, pois, pela lei brasileira, uma empresa não poderia apenas vender entradas. Ela teria de vender pacotes de hospitalidade. Quem detinha os direitos nesse caso era a empresa Match. Um acordo foi então articulado para que a FIFA fosse substituída no contrato com a JB pela Match.

Em 12 de dezembro de 2013, Valcke escreveria de seu e-mail particular ([email protected]) alertando para o crime que estava sendo cometido e que Alon teria de aceitar a mudança. “Benny (Alon), se você perguntar para advogados, nada vai acontecer”, afirmou. “Você, eu, não temos opção. Caso contrário, o acordo será cancelado pela FIFA ou todos nós enfrentaremos, como pessoas, processos criminais. Isso não é uma piada. É muito sério. Portanto, evite muitos conselhos. “Just do it”, alertou, usando o slogan da Nike em inglês.

Porém, outro obstáculo foi levantado pela Match, em reunião, também em dezembro, durante o sorteio da Copa na Costa do Sauípe (BA). Desta vez, o presidente da Match, Jaime Byrom, alertou que sua empresa não teria como justificar as vendas e transferências de recursos e que, portanto, o acordo teria de ser em seu próprio nome. “Isso resolveria o caso para todos”, explicou Alon, indicando que a Match e a FIFA repassariam US$ 8,3 milhões pelo acordo, em valores que ainda serão pagos em janeiro de 2016 e janeiro de 2017.

Então, uma carta foi redigida indicando que 11,3 mil ingressos seriam repassados para a JB, a partir de Jaime Byrom, que, por sua vez, receberia as entradas da FIFA. O acordo violava as regras da entidade, que indicavam que nenhum indivíduo poderia ter o direito de vender ingressos. Mesmo assim, o negócio foi mantido. O esquema financeiro para viabilizar a transação acabou gerando um problema bancário. Para conseguir os ingressos, a JB transferiu dinheiro de Zurique para Londres. Byrom, por sua vez, teria devolvido o dinheiro para Zurique para a própria FIFA. O banco que fazia a transação acabou expulsando a JB de sua lista de clientes por suspeitas de lavagem de dinheiro. “A Match estava sendo usada como um banco paralelo da FIFA”, acusou Alon.

No ano passado, a JB descobriria que o acordo tinha sido uma fraude. Quando os ingressos começaram a ser entregues pela Match para Alon, os locais nas arquibancadas não correspondiam ao combinado, mas eram correspondentes a assentos considerados como mais baratos. “A JB não recebeu nem de perto o que havia sido combinado”, disse Alon. Em meados de abril de 2014, um e-mail foi enviado por Valcke para Benny Alon, garantindo que os ingressos seriam entregues nos “locais combinados” e que isso havia sido discutido com Thierry Weil, diretor de Marketing da FIFA.

Contudo, quando a Copa começou, a JB teve de aceitar os ingressos fornecidos. “A questão que fica é o destino que foi dado às 8 mil entradas nos locais nobres dos estádios da Copa. O que ocorreram com eles? Ninguém até hoje conseguiu nos dizer para onde foram essas entradas”, acusou o empresário.

Logo após o Mundial acabar, Alon foi mais uma vez convidado para uma reunião na sede da FIFA. “Eu queria saber o que tinha ocorrido”, destacou. “Mas a FIFA me disse naquele momento que meu problema era com a Match, não com ela”, disse o dirigente. A entidade e a empresa estavam com um problema maior: Ray Whelan, diretor da Match, estava ainda preso no Rio de Janeiro, suspeito de entregar ingressos no mercado negro.

Conforme Heinz Schild, Valcke entraria na sala momentos depois em Zurique. “Ele estava nervoso e apenas disse que estavam mais preocupados com a situação de Ray Whelan”, contou. Schild ainda revelou que Valcke sabia do envolvimento de Whelan. “Ele nos disse que Whelan vendia entradas por muitos e muitos anos no mercado negro’”indicou.

“Valcke nos disse que teriam de cuidar primeiro de tirá-lo da cadeia no Brasil”, revelou. ‘Não sabemos o que ocorreu com os 8 mil ingressos. Mas só sabemos que Ray foi preso”, finalizou Alon.

No Brasil, o diretor da Match foi liberado e o caso encerrado. Procurada, a FIFA ainda não se pronunciou sobre a denúncia de corrupção de seu secretário-geral, homem-forte da organização da Copa do Mundo no Brasil, em 2014.

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