Decisão do STF que permite prisão a partir de condenação em 2º grau é um atentado à Constituição

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Na quarta-feira (17), o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão polêmica que afronta de forma escandalosa a Constituição Federal, a qual deveria ser resguardada pela própria Corte, que não o faz no rastro de interpretações de temas que há muito estão pacificados. O STF decidiu, por sete votos a favor e quatro contra (nesse rol inclui-se o presidente da Corte), que a prisão de condenados pode e deve ocorrer depois de sentença confirmada em julgamento de segunda instância. Ou seja, antes que sejam vencidas as fases recursais seguintes.

Diz a Carta Magna brasileira, no âmbito da presunção da não-culpabilidade, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória. Em outras palavras, a Constituição estabelece que aquele que for condenado em instâncias iniciais do Judiciário não poderá ser preso até que sejam exauridas as possibilidades de recurso.

A decisão do Supremo, meramente interpretativa, se dá na esteira do longevo clamor popular que embala a Operação Lava-Jato, em voga desde março de 2014, e o Petrolão, o maior escândalo de corrupção da história da humanidade, com prejuízos incalculáveis ao Estado brasileiro. Lamentavelmente, a sociedade brasileira continua preguiçosa em termos políticos, cobrando soluções de afogadilho diante de escândalos, quando na verdade o cidadão deveria ser mais presente na vida política da nação. Afinal, existir por si só é um ato político simples, porém perfeito em sua essência.

A proposta de modificação do entendimento do STF acerca do tema foi apresentada pelo ministro Teori Zavascki, também relator dos processos decorrentes da Lava-Jato. Zavascki foi acompanhado em seu voto pelos ministros Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Votaram pela manutenção do entendimento até então em vigor os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

Para a maioria dos ministros do STF, a mudança no sistema penal serve, em primeiro momento, para minimizar o mantra de que a Justiça é morosa, o que é realidade incontestável, além de supostamente exaurir a sensação de impunidade que reina em alguns nichos da sociedade. Fora isso, a decisão é um sinal de reconhecimento do trabalho dos juízes de primeira e segunda instâncias, que, na opinião dos magistrados da Corte, até então vinham funcionando como “tribunais de passagem”.


O UCHO.INFO é radicalmente contra o novo entendimento do STF, pois trata-se de um atropelamento da Constituição Federal. A questão, aparentemente complexa, é mais simples do que parece em termos de aceitabilidade. A presunção de inocência consta de forma clara no artigo 5º, inciso 57, e é considerada cláusula pétrea. Isso significa que esse dispositivo constitucional não pode ser modificado nem mesmo por meio de Proposta de Emenda Constitucional. De tal modo, o STF, supostamente zelador da Carta Magna, não poderia ter tomado tal decisão.

Em regimes democráticos, o direito ao duplo grau de jurisdição – assunto largamente suscitado durante o julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão do PT) – está claro e explícito nas respectivas legislações, o que permite que a execução de pena condenatória se dê a partir de decisão de segunda instância. A Constituição brasileira, por sua vez, contempla o direito a fases recursais, mas o faz a reboque do seguinte texto: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ora, se a Constituição é a lei máxima do País, não há como desrespeitá-la no embalo de uma decisão movida pelo termômetro da indignação popular.

O Estado brasileiro, como um todo, é obsoleto e falido, devendo a sociedade não apenas exigir mudanças, mas empenhas para que essas ocorram de forma célere e responsável. Mesmo assim, a reforma do Estado depende do bom senso dos cidadãos e do inconteste respeito ao conjunto legal vigente, o qual faz garante a um povo a condição de nação.

Não se trata de defender a impunidade e alimentar os atalhos recursais que fomentam a morosidade do Judiciário, mas de exigir respeito às leis, em especial à Carta Magna, sob pena de o Brasil ingressar na perigosa seara das interpretações que desconsideram a inviolabilidade da Constituição, algo que o brasileiro desconhece por inteiro.

Ao STF não cabe o direito de legislar, assim como ao Legislativo não cabe a prerrogativa de julgar. A mesma Constituição prega a independência dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a convivência pacífica e harmoniosa entre os mesmos. Sem dúvida alguma a impunidade deve ser combatida de forma firme, sem jamais ignorar os ditames constitucionais. Mudanças nesse universo são necessárias, mesmo que tardias, mas é preciso que isso ocorra a partir de uma reforma constitucional que, obrigatoriamente, deve surgir a partir de iniciativa do Congresso Nacional. Até lá, cumpra-se o que está escrito na lei.

Por outro lado, não se pode aceitar essa nova interpretação do STF sem que o Estado seja pensado como um todo. O Brasil tem um dos piore sistemas carcerários do planeta, o qual, além de não recuperar o sentenciado, transforma o apenado em um profissional do crime. Ou o Brasil muda de vez, ou o brasileiro que se prepare para viver em uma terra sem lei e recheada de interpretações obtusas.

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