Ao trocar Itaquera pela Barra da Tijuca, Tite mostra que é ruim de conta e gosta do perigo

(*) Ucho Haddad

ucho_24A carreira profissional é importante na vida de qualquer cidadão, mas é preciso parcimônia para avaliar as oportunidades que surgem no decorrer do tempo. Adenor Leonardo Bacchi, o gaúcho Tite, o mais vitorioso treinador da história do Corinthians e o melhor técnico de futebol da atualidade no Brasil, aceitou comandar a seleção canarinho depois de mais um fiasco ancorado pelo conterrâneo Dunga.

Altamente preparado, dono de competência invejável, ser humano com todas as letras e senhor de caráter ilibado, Tite chegou até aqui por merecimento, mas o Corinthians foi o melhor de todos os trampolins. Contudo, o novo treinador da seleção é muita areia para a pouca e lamacenta caçamba da CBF. Ou seja, é treinador demais para instituição futebolística de menos.

Há momentos na vida em que a vaidade deve ser deixada de lado, sem que essa decisão comprometa os sonhos e os planos. Chegar ao comando da seleção brasileira sempre foi o objetivo de Tite, que frustrou-se quando não foi chamado para assumir o onze canarinho depois do histórico e fatídico 7 a 1, contra a Alemanha.

Muitos hão de dizer que trata-se de conformismo, mas, a exemplo do que prega a sabedoria popular, é melhor ter um pássaro na mão do que dois voando. E o que Tite fez foi trocar o pássaro que estava em suas mãos pelo direito de contemplar o voo de outros dois. Resumindo, entre continuar no alvinegro paulistano e assumir o comando técnico da seleção, a primeira hipótese é a mais lógica e sensata. Mas Tite, assim como qualquer ser humano, tem o direito de transformar sonho em realidade. A grande questão é saber se tudo isso não acabará em enorme pesadelo.

Em qualquer parte do planeta o futebol jamais foi uma reunião de pessoas bem intencionadas. E assim continua sendo. O esporte bretão, o mais popular ao redor do globo, é um amontoado de gente canhestra com interesses escusos. E nesse aquário da imundice Tite é um peixe fora d’água.

Tite foi contratado pelo presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, que esconde-se debaixo da cama toda vez que o FBI faz um movimento mais brusco. Afinal, seu comparsa, José Maria Marin, cumpre prisão domiciliar em Nova York. Como Del Nero não tem imóvel na terra do Tio Sam, se cair nas garras do FBI terá de cumprir pena de prisão atrás das grades, que lá não são como as daqui.

O treinador gaúcho não terá a liberdade que tinha no clube de Parque São Jorge. Isso porque a engrenagem da CBF é podre e nos bastidores da instituição a palavra dos empresários dos jogadores pesa muito. Trocando em miúdos, na próxima convocação da seleção não se deve esperar mais do que cinco novidades – o que será um exagero. Resumindo, a conhecida bandalheira há de continuar e Tite terá de mostrar resultado caso queira ver a própria cabeça longe da guilhotina.

Acostumado a desfilar ao lado daquelas dadivosas e curvilíneas moças que dormem à tarde, Marco Polo Del Nero imaginou que o Corinthians é o lupanar da esquina. Tirou o treinador do alvinegro paulistano como um cafetão que intima sua tutelada. E Del Nero sequer se deu ao trabalho de primeiramente conversar com o presidente do clube, Roberto Andrade, e pedir licença para surrupiar o comandante do “campeão dos campeões”. Agiu como se fosse o dono do bataclã.

Diante da atitude nada elegante de Del Nero, o treinador deveria ter colocado os dois pés atrás. Afinal, o que o presidente da CBF fala em pé não escreve sentado. Principalmente se colocar os pés além das fronteiras do Brasil. Tite aceitou o desafio sem acertar salário. No máximo deverá ganhar alguns trocados a mais do que Dunga, que embolsava mensalmente R$ 600 mil (valor bruto). Fala-se que no Corinthians o salário de Tite girava em torno de R$ 700 mil, mas em dada ocasião o presidente do clube disse que dinheiro não seria problema para manter o treinador.

A CBF não faz contrato, mas segue as leis trabalhistas e registra o funcionário na carteira de trabalho. Contas para lá e para cá, Tite deverá embolsar pouco mais de R$ 500 mil por mês, já descontada a dolorida mordida do Leão. Seis por meia dúzia, Itaquera é mil vezes melhor do que a Barra da Tijuca, onde está fincada a sede do lamaçal conhecido como CBF.

Alguns experientes afirmam que Tite teria se incomodado com a presença de torcedores truculentos no centro de treinamento do Corinthians. Sem dúvida esse é o tipo de situação desagradável, em especial para alguém do naipe do gaúcho Adenor Bacchi, mas é melhor conviver com o destempero do “bando de loucos” do que com a gatunagem debochada dos cartolas da CBF.

Outros conhecedores do assunto garantem que a chegada ao comando da seleção brasileira dará a Tite mais visibilidade na esfera do futebol internacional, principalmente no da Europa. Se o objetivo de Tite era sentar-se nas primeiras filas da vitrine do futebol planetário, melhor seria recusar o convite de Marco Polo Del Nero. Afinal, somente os excepcionais são capazes de recusar ofertas espúrias. Com isso seu passe valorizaria muito mais, também sua respeitabilidade como treinador. Mas cada um sabe o que é melhor para si.

Diz a sabedoria popular “vão-se os anéis, ficam os dedos”. Toda a sorte do mundo a essa figura extraordinária que é Tite, mas que o Timão faça jus ao superlativo e continue grande. “Vai Corinthians!”

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.

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