Condenada a 18 anos de prisão por evasão de divisas, a doleira Nelma Mitsue Penasso Kodama deixou a carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, no começo da tarde desta segunda-feira (20), no vácuo de um acordo de delação premiada. A doleira, que gostava de ser chamada de “a dama do mercado”, terá de usar tornozeleira eletrônica e cumprir o restante da pena em prisão domiciliar, na capital paulista em São Paulo.
Amante e parceira do também doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da Operação Lava-Jato, Nelma foi presa em 15 de março de 2014, tentando embarcar para a Itália com 200 mil euros escondidos na calcinha. No ano seguinte, durante depoimento à CPI da Petrobras, a doleira cantou um trecho da música “Amada Amante”, de Roberto Carlos, ao responder pergunta sobre seu relacionamento com Youssef, principal delator da Operação Lava-Jato.
Ainda na CPI, Nelma afirmou que a Operação Lava-Jato era responsável pela recessão no País. “Uma vez que parou a corrupção, parou o Brasil. O Brasil é movido a corrupção.”
Responsável na primeira instância do Judiciário pelos processos da Lava-Jato, o juiz Sérgio Moro condenou Nelma, em outubro de 2015, sob a acusação de enviar US$ 5,2 milhões ao exterior entre maio e novembro de 2013.
Na sentença, Moro destacou que as provas coletadas pelos investigadores indicam que a Nelma “faz da prática de crimes financeiros o seu meio de vida”. Na segunda instância, a defesa de Nelma havia conseguido reduzir a pena para 14 anos e 9 meses de prisão.
Nelma e o esquema de Santo André
Muitos são os elos entre os escândalos que emolduraram a morte de Celso Daniel e a Operação Lava-Jato, mas um deles atende pelo nome de Nelma Kodama, que atuou fortemente em Santo André ao longo da gestão petista na importante cidade do chamado Grande ABC.
Em acordo de delação premiada, o operador de câmbio Luccas Pace, réu em um dos processos da Lava-Jato, acusou Nelma de lavar dinheiro da quadrilha Youssef. Operações que contavam com a conivência de alguns bancos, entre eles Bradesco, Itaú, Santander e Banco do Brasil. Acontece que Kodama, que durante muito tempo trabalhou com Alberto Youssef, operou também para o esquema que tinha em um dos vértices o então deputado federal José Janene, já falecido e conhecido como o “Xeique do Mensalão”. Janene foi o mentor intelectual do Petrolão e, poucos sabem, também tinha negócios que passavam por Santo André.
O esquema de Nelma Kodama utilizava empresas de fachada que supostamente atuavam no setor de exportação e importação. Por meio de operações fictícias de comércio exterior, grandes volumes de dinheiro eram movimentados debaixo de suposta legalidade. Esse esquema não é novidade e vem sendo utilizado há anos, sem que os órgãos competentes tenham fiscalizado em algum momento as referidas operações. Quem trabalha com comércio exterior sabe como é difícil e complexo o fechamento de um contrato de câmbio. Se a quadrilha integrada por Nelma atuava com facilidade, por certo contava com a conivência de funcionários do sistema.
A grande questão é que as grandes somas movimentadas pelo esquema criminoso de Kodama deveriam ter esbarrado no crivo do Banco Central, do Coaf e do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que nada fizeram para impedir a atuação bandoleira do grupo. Para que o leitor compreenda a irresponsabilidade desses órgãos, um saque acima de R$ 10 mil na boca do caixa é imediatamente comunicado ao Coaf. Se isso não ocorreu no caso em questão é porque há muito mais envolvidos no esquema do que se imagina.
Laços de família
Nelma Kodama foi concunhada de João Carlos da Rocha Mattos, então juiz federal preso na Operação Anaconda e condenado por venda de sentenças judiciais. Com a prisão de Nelma na Lava-Jato, a família Rocha Mattos foi arrastada para o olho do furacão.
A Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa de Célio da Rocha Mattos, filho do ex-juiz, por suspeita de envolvimento com a quadrilha da doleira. Os documentos apreendidos revelaram que Célio seria o operador internacional da quadrilha de Kodama, em Hong Kong.
Para entender as operações do filho do ex-juiz, é preciso conhecer um pouco mais sobre a atuação de Nelma. Ligada a doleiros conhecidos, como Youssef e Fayed Antoine Traboulsi (investigado e preso na Operação Miquéias), a doleira sempre valorizou os crimes que cometia. Em mensagem interceptada pela Polícia Federal, afirma: “Profissão doleira kkk eh (sic), talvez eu seja mesma a última dama do mercado”.
Durante a maior parte das investigações sobre a Nelma Kodama, um integrante da quadrilha conseguiu manter por muito tempo oculta sua verdadeira identidade. Sabia-se apenas que usava a conta de e-mail “[email protected]” e era responsável por boa parte das operações da doleira. Especialista em informática, o “homem secreto” não deixava rastros e usava o falso nome de Fernando Souza. Os agentes da Polícia Federal só conseguiram identificar que o dono do e-mail era o filho de Rocha Mattos alguns meses depois de muita investigação.
O caminho para pegar Célio foi dado por Luccas Pace Júnior, que decidiu colaborar com as investigações após se sentir abandonado pelos advogados de Nelma. Pace Júnior explicou que as contas operadas por Célio Rocha Mattos funcionavam em Hong Kong por causa da falta de controle das autoridades locais e pela facilidade na abertura de empresas offshore.