Elogio da traição

(*) Carlos Brickmann

carlos_brickmann_10Eles sabem dos segredos, e sabem usá-los. Delcídio traiu seus amigos, tanto tucanos (quando mudou de partido), quanto petistas (quando ficou no partido e revelou seus segredos). OAS e Odebrecht traíram seus aliados que, por módicos pixulecos, lhes permitiam ganhar as concorrências que quisessem, cobrando quanto quisessem. E traíram o companheiro Lula.

Comenta-se que Marcelo Odebrecht, em sua esperadíssima delação premiada, equilibrará a traição aos partidos governistas traindo o chanceler José Serra, tucano. Compensação? Não: a base governista traiu Dilma e se transformou rapidamente em núcleo da oposição, base do impeachment da presidenta politicamenta agonizanta – que, por sua vez, traiu José Dirceu, seu “companheiro de armas”, abandonando-o na hora das dificuldades.

Há os que, por enquanto, escaparam. Como Pedro Corrêa, envolvido em todas as investigações. Mas Corrêa não pode (ainda) ser traído. Ele (ainda) não contou tudo, e ainda tem muita coisa a delatar. Renan não viu a consumação da traição, mas sabe que o procurador-geral Janot, cuja aprovação para o cargo ele tornou possível, está no seu rastro. E, esperto, cheio de truques, o mais traído de todos: Eduardo Cunha, que comandou o impeachment de Dilma. Executada a tarefa, os chefões decidiram livrar-se dele. Ainda não o liquidaram, mas já não é o poderoso Eduardo Cunha de antes. Como Dilma, é um político decadente aguardando o fim de carreira.

Trair é feio. Mude-se o nome para “colaborar”. E temos nossos heróis.

Traída e abandonada

Na verdade, quem sofreu as maiores traições foi Marisa Letícia, esposa de Lula. Acostumou-se a tratar os empreiteiros como amigos, como gente da casa (ou do apartamento que nem é dela). Lula sempre soube que, em política, amigo é amigo enquanto é útil. Marisa Letícia achava que amigo é para bons e maus momentos. E não é que foi delatada, com documentos e fotos, por aqueles que julgava, mais que seus amigos, amigos da família?

Me dá um dinheiro aí

No festival de deduragem de amigos e colaboradores, algo pitoresco: há empreiteiras, que pensavam ser as senhoras da distribuição do dinheiro, que só agora descobriram estar sendo discretamente ordenhadas por seu próprio pessoal. Encarregados da distribuição de pixulecos e acarajés pediam aos beneficiários uma parte, para uso próprio. O dinheiro do superfaturamento, que se transformava em propina para gerar mais superfaturamentos, vazava como lubrificante de negócios.

Reza a sabedoria popular: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é ingênuo ou não entende da arte”.

Dilma escreve

Não dê importância aos primeiros comentários de senadores sobre a carta-testamento que lhes enviou Dilma Rousseff. Serão comentários superficiais, mais baseados na posição política de cada um do que no que diz realmente a carta. Os comentários aprofundados virão mais tarde, quando os senadores mais atilados, mais afeitos ao estudo de textos, conseguirem entender o que é que a presidente impichada quis dizer, em sua linguagem peculiar, naquelas mal traçadas linhas.

Trabalho…

O Congresso entra agora em recesso branco, uma longa folga extraordinária, para que Suas Excelências possam se dedicar às próximas eleições municipais, em outubro. Dos 513 deputados, 29 são candidatos; dos 81 senadores, dois disputam as eleições. A carreira política de 5% dos senhores parlamentares faz com que o Congresso Nacional inteirinho paralise suas atividades, bem no momento em que se discutem os cortes no Orçamento – e, portanto, o caminho que o Brasil irá seguir.

Só relembrando, o Parlamento foi criado na Inglaterra, há quase mil anos, com a função específica de votar o orçamento e vigiar as despesas da Casa Real.

…cansa

Juntando a pouca disposição para o trabalho das Excelências congressistas com a política econômica de Temer, temos o seguinte resultado: a previsão do mercado é de que a dívida líquida do Governo Federal chegue, no final do ano que vem, a 49,05% do PIB, Produto Interno Bruto (o que aumenta o custo dos financiamentos externos, entre outras consequências). A previsão é pior do que a do fim do Governo Dilma, 47%. E põe a equipe econômica de Dilma acima da de Temer.

Boa notícia

A esfola ocorre em março: por lei, todo assalariado, seja ou não sindicalizado, tem que destinar um dia de salário para o sindicato. Com isso, o sindicato não precisa atrair novos membros, porque a verba está garantida. Isso pode acabar amanhã: o TST julga pedido do Sindicato dos Trabalhadores em Energia Elétrica de Campinas, que quer renunciar à sua parte da contribuição sindical obrigatória.

Se der certo, é bom para todos.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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