O encontro marcado

(*) Carlos Brickmann

Hoje é o dia que o ex-presidente Lula tanto lutou para adiar: chegou a hora da jararaca beber água. Rejeitado pelo Tribunal Regional Federal o pedido para que houvesse novo adiamento do encontro marcado, o juiz Sérgio Moro recebe o depoimento de Lula sobre seu relacionamento com a empreiteira OAS, o apartamento tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia.

Há um Carnaval fora de época em Curitiba. Segundo a Polícia Federal, 60 ônibus de petistas chegaram à cidade. Há também o pessoal do MST de Foz do Iguaçu, que foi chegando aos poucos. E os parlamentares: metade da bancada de deputados federais (cerca de 30 em 58), nove senadores de um total de 11. Não se sabe exatamente quem pagou os ônibus, as refeições dos militantes, seus símbolos de luta (facões e foices em quantidade foram apreendidos pela Polícia curitibana). Já sobre o pagamento de passagens aéreas, hospedagem e alimentação dos dirigentes petistas não há qualquer dúvida: quem paga os caríssimos parlamentares é nosso caro leitor.

Gilberto Carvalho, que fez parte dos governos de Lula e Dilma, diz que a militância petista está em Curitiba apenas para manifestar solidariedade a Lula, e que não haverá qualquer tumulto. Mas há gravações do dirigente de um partido de ultraesquerda a respeito da boa oportunidade de iniciar uma rebelião popular em Curitiba. E o senador Tião Viana sugeriu a Lula que desacate Sérgio Moro, para ser preso e politizar de vez o julgamento.

Dia D…

Lula enfrenta uma situação difícil no depoimento: os empresários Emílio Odebrecht, Marcelo Odebrecht, José Carlos Bumlai e Léo Pinheiro, da OAS, mais o marqueteiro João Santana e sua esposa Mônica Moura, fizeram delações que o deixam mal. Delação não é prova; é apenas uma pista para facilitar as investigações. Mas, se as delações forem mentirosas, seus autores estarão sujeitos a pesadas penas, das quais só estariam livres se tivessem contado a verdade. Por isso, boa parte dos petistas recomendou que se tentasse transferir a discussão jurídica para o lado político, em que Lula se apresentasse como candidato à Presidência perseguido pelas elites. É o que vem sendo feito: Lula e seus defensores conseguiram até, algumas vezes, irritar o juiz Sérgio Moro, para caracterizá-lo como inimigo.

…Hora H

Do ponto de vista da defesa, a politização do caso é correta, até porque Lula tem insistido num único argumento para defender-se: o de que nada do que usufrui é de sua propriedade, pertence a amigos que o convidam. Mas há um obstáculo: se condenado na primeira instância pelo juiz Sérgio Moro, num julgamento que pode ocorrer rapidamente (o depoimento de hoje é um dos últimos do processo), e tiver a sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal, em segunda instância, poderá ser preso imediatamente; e, de qualquer forma, como “ficha suja”, será inelegível. A defesa de Lula apostou nos adiamentos, para que a candidatura seja oficialmente lançada antes do julgamento do recurso. Ficaria difícil, politicamente, condená-lo: pareceria que a condenação só teria como objetivo impedir que ele se candidatasse. Mas, se a condenação em segunda instância for mais rápida, seria impossível sacramentar a candidatura.

Relembrando

O colunista Ricardo Noblat (http://noblat.oglobo.globo.com/), repórter que há muitos anos acompanha a movimentação política em Brasília, conta a seguinte história: “Em dezembro de 1989, poucos dias após a eleição do presidente Fernando Collor de Melo, o deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), ex-condestável do novo regime, almoçava no restaurante Piantella, em Brasília, quando entrou a cantora Fafá de Belém, amiga de Lula. ‘Como vai Lula?’, perguntou Ulysses. Fafá passara ao lado dele o domingo da sua derrota para Collor. E contou: ‘Lula ficou muito chateado, mas começamos a beber e a comer, os meninos foram para a piscina e ele acabou relaxando’. Ulysses quis saber: ‘Tem piscina na casa de Lula?’ Fafá explicou: ‘Tem, mas a casa é de um compadre dele, o advogado Roberto Teixeira’. Ulysses calou-se. Depois comentou com amigos: ‘O mal de Lula é que ele parece gostar de viver de obséquios’. Na mosca!”

Só Lula? E Aécio?

Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, citou em sua delação premiada uma série de histórias altamente desfavoráveis a Lula. Mas não falou só de Lula: disse que ganhou o cargo (no qual comandou alentado esquema de propinas, pixulecos e acarajés) após uma disputa que foi resolvida pelo então chefe da Casa Civil e homem-forte do Governo Lula, José Dirceu.

Segundo Duque, Dirceu disse que o candidato que concorria com Duque não poderia ser nomeado, porque era uma indicação de Aécio Neves, do PSDB. E Aécio já tinha conseguido dele, Dirceu, a nomeação de um aliado na Petrobras, então não levaria outro cargo. Aécio Neves. Pois é.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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