Desdém em relação à mala com propina mostra que integridade intelectual do novo diretor da PF é frágil

(Pedro Ladeira – Folhapress)

Alçado à direção-geral da Polícia Federal por uma trinca de políticos investigados pela Operação Lava-Jato (Eliseu Padilha, Romero Jucá e José Sarney), Fernando Segóvia parece demonstrar a que veio. A questão não é duvidar da idoneidade do delegado da PF, mas de questionar suas primeiras declarações logo após ser empossado no cargo, na segunda-feira (20), em Brasília.

Em entrevista coletiva, Segóvia, que já externa sua disposição para embaralhar algumas investigações no âmbito da Lava-Jato, disse que uma simples mala não proporciona materialidade suficiente para afirmar que trata-se de um caso de corrupção. A declaração de Fernando Segóvia foi uma referência à mala com dinheiro (R$ 500 mil) entregue ao ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), pessoa da confiança do presidente da República.

“A gente acredita que, se fosse sob a égide da Polícia Federal, essa investigação teria de durar mais tempo porque uma única mala talvez não desse toda a materialidade criminosa que a gente necessitaria para resolver se havia ou não crime, quem seriam os partícipes e se haveria ou não corrupção”, disse o novo diretor-geral da PF.

Essa declaração, que antecipa o que poderá acontecer na PF nos próximos anos em relação às investigações da Lava-Jato, precisa ser analisada de forma fatiada e com parcimônia. De chofre é importante ressaltar que a própria Polícia Federal afirmou, à sombra das investigações, que houve crime de corrupção passiva por parte do presidente Michel Temer.

O UCHO.INFO afirmou em matérias anteriores que as provas obtidas no escopo da delação premiada dos executivos do grupo J&F são ilícitas, pois as gravações só poderiam ser utilizadas caso os delatores necessitassem se defender de alguma acusação indevida ou provar eventual chantagem. É isso o que determina a legislação penal vigente.


Entre a ilicitude das provas e a afirmação de que é questionável a acusação de corrupção passiva por parte do presidente da República há uma distância enorme, que apenas para o diretor da PF parece ser ínfima. Se a própria Polícia Federal garantiu, com base nas investigações, de que foi constatado crime de corrupção passiva, o passo seguinte é comprovar o ilícito, não colocar em xeque a transgressão.

Em relação à mala entregue a Rocha Loures, o diretor da PF não pode afirmar que o objeto nada representa em termos probatórios. Tão logo ocorreu o episódio, o UCHO.INFO afirmou que a tal mala seria um mero e desprezível acessório na cena do crime caso Rocha Loures não tivesse devolvido o dinheiro às autoridades.

Se o ex-assessor presidencial tivesse admitido o recebimento da mala, até porque as imagens não deixam dúvidas a respeito, e mantido silêncio sobre o conteúdo da mesma, os investigadores estariam diante de um crime de difícil solução. A tese defendida por este portal foi elogiada por renomados criminalistas, pois não havia prova de que a mala continha R$ 500 mil em propina. E as imagens da mala com a propina não servem como prova.

O plano da PF foi interrompido em dois momentos cruciais: 1) No momento em que os policiais federais, que estavam na frente da pizzaria onde ocorreu a entrega da mala, perderam de vista o táxi em que embarcou Rocha Loures. 2) Quando o chip de rastreamento da mala começou a emitir sinal a partir de um endereço que não constava dos planos da PF.

Fernando Segóvia pode ter suas convicções, o que não é algo positivo para um diretor da Polícia Federal, mas não se pode negar que sua honestidade intelectual em termos jurídicos é questionável. Afinal, qualquer estudante de Direito sabe que a devolução espontânea dos R$ 500 mil transformou uma reles mala em prova imprescindível.

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