Um povo transforma-se em nação democrática quando aceita viver debaixo de um ordenamento legal. Mesmo assim, para evitar o comprometimento da democracia não se pode criar excepcionalidades no âmbito da aplicação da legislação vigente.
Entulhado de processos dos mais variados matizes, o Supremo Tribunal Federal (STF) parou nesta quinta-feira (7) para, em plenário, discutir a constitucionalidade da condução coercitiva. E o julgamento da matéria será retomado na tarde da próxima quarta-feira (13), como anunciou a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.
Se todas as vezes que os órgãos responsáveis por procedimentos investigatórios inventarem uma nova moda à sombra do desrespeito à lei, o STF não fará outra coisa, que não a análise da constitucionalidade de bizarrices jurídicas de ocasião.
Em decisão liminar, o ministro Gilmar Mendes proibiu a condução coercitiva, que, ao arrepio do que determina a lei, ganhou força no âmbito da Operação Lava-Jato e seus desdobramentos. Na verdade, a condução coercitiva tornou-se ingrediente importante na espetacularização que tomou conta das investigações sobre o Petrolão, o maior e mais ousado esquema de corrupção de que se tem notícia.
A condução coercitiva só pode ser levada a cabo em caso de não atendimento à intimação judicial. O artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP) aduz que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.” É a chamada condução sob vara.
Tomando por base o fato de que o CPP estabelece as condições em que a condução coercitiva pode ser determinada pela autoridade judicial, não há razão para levar adiante uma discussão sobre a constitucionalidade da sua aplicação. Gostando ou não de Gilmar Mendes, o ministro do STF está com a razão ao proibir o uso indiscriminado da condução coercitiva, mesmo fazendo a reboque de um discurso rocambolesco e teatral.
Sabem os leitores que o UCHO.INFO é contra o desrespeito à lei cometido por autoridades, em especial pelas “vedetes” que surgiram no palco da Lava-Jato, pois mais adiante os criminosos poderão arguir a nulidade da ação penal por conta desse detalhe. E nesse caso está-se diante do abuso de poder, assunto que inquieta parte da população que quer justiçamento, algo diferente de justiça.
Se os investigadores apresentam à Justiça provas que justifiquem a prisão preventiva, como forma de garantir a persecução penal, que esta substitua a condução coercitiva. Aliás, quando o ministro Gilmar Mendes proibiu a condução coercitiva, em caráter liminar, este portal afirmou que cresceria o número de prisões preventivas, que devem ser decretadas com o devido embasamento legal.
Por outro lado, com condução coercitiva ou prisão preventiva, o investigado não é obrigado a produzir provas contra si, como estabelece a Constituição Federal e o Pacto de San José. Ou seja, é garantido ao investigado, assim como ao réu, o direito de permanecer calado. Sendo assim, ambas as medidas perdem a eficácia, pois a autoridade não pode “arrancar” um depoimento do investigado.
Viver em democracia é excepcionalmente bom (quem conheceu ditaduras sabe disso), mas dá muito trabalho. É preciso ser vigilante o tempo todo e ter consciência política. Em suma, não basta ser atento, mas saber votar e ter disposição para monitorar o eleito.