Em vez de cair em campo, Neymar deveria deitar-se no divã do psicólogo mais próximo

    (*) Ucho Haddad

    Chega a ser nauseante a disposição do povo brasileiro para ser dependente de um herói de aluguel. O Brasil vive uma crise múltipla e sem precedentes, mas essa dependência rasteira cheira a complexo de vira-lata. Órfã do talento incontestável e da determinação espartana de Ayrton Senna da Silva, a maioria da população se dá por feliz com o histrionismo bizarro de Neymar Jr., que deveria pensar na possibilidade de frequentar o divã do psicólogo da esquina mais próxima.

    O exibicionismo exacerbado de Neymar é fruto também da fanfarronice da imprensa nacional, que com descabidos salamaleques na direção do camisa 10 fatura verdadeiras fortunas com patrocínios e outros penduricalhos financeiros, operação que esfola a dignidade de um povo tão sofrido quanto tolo.

    Quando embarcou para Moscou, Neymar não tinha com meta a conquista da Copa do Mundo, mas, sim, a possibilidade de encerrar o Mundial na condição de melhor jogador do planeta. Quem desconhece os bastidores do esporte sequer consegue avaliar o quanto esse status representa em termos de dinheiro. Para que o objetivo seja alcançado não se mede esforços nem recursos. Ou seja, enquanto a torcida se esgoela diante de televisores e telões, enrolada em bandeiras verde-louras, no mundo do futebol a máquina registradora tilinta sem parar.

    Confesso sentir asco desse patriotismo quadrienal que brota no Brasil, como se torcer pelo País dependesse de uma competição futebolística. Muitos dos que se cobrem de verde e amarelo durante a Copa são os mesmos que estacionam o carro na vaga de idosos ou usam carteira de estudante falsa para conseguir meia entrada no cinema. Juntam-se para torcer pela seleção, mas isoladamente desrespeitam o próximo. Em suma, é preciso reinventar o Brasil, talvez seja prudente redescobri-lo.

    Voltando a Neymar… O treinador Adenor Leonardo Bachi, o Tite, abusou do mistério e das declarações evasivas antes de convocar os jogadores que vestiriam a amarelinha na Rússia, mas continua insistindo na tese de que Neymar pode continuar “fominha”. Em outras palavras, Tite, que defende o jogo coletivo, acredita que a seleção brasileira é Neymar e mais dez. Ora, se essa é a verdade maior do treinador nacional, não há razão para pompas e circunstâncias no momento da convocação dos jogadores da seleção.

    É impossível negar que Neymar amealhou fortuna ao longo de sua curta carreira, mas esse dinheiro todo é insuficiente para comprar o que ele tanto precisa: equilíbrio emocional. Algo que não se encontra na prateleira do mercadinho do bairro. Por isso insisto que Neymar precisa de longas e numerosas sessões de terapia, pois quem aceita a responsabilidade que lhe impingem não pode “amarelar”.

    Aliás, aproveitando o “amarelar”, Neymar deu mostras de sua instabilidade emocional ao surgir em campo, diante da Suíça, com o cabelo repaginado, alvo de críticas e chistes de todos os naipes. No momento em que uma equipe esportiva deve estar focada para estrear na principal competição futebolística do planeta, Neymar encontrou tempo para mostrar ao mundo não apenas o seu péssimo gosto, mas uma fragilidade emocional que preocupa.

    Não demorou muito para Neymar, horas depois da enxurrada de piadas e outros quetais, aparecer com novo corte de cabelo, sem aquele topete loiro que lembrava a macarronada da “mamma” no final de semana. Possivelmente, a repentina mudança na peruca se deu porque o atleta não suportou a pressão ou, então, foi alvo de conselho da comissão técnica. Lembrando, sempre, que cada qual tem o seu conceito de belezura.

    Neymar reclama de forma recorrente das faltas cometidas pelos adversários. Não é preciso nenhuma dose extra de tutano – nem sempre o jogador tem a dose básica – para concluir que todo “fominha” recebe mais faltas do que gostaria. Se o camisa 10 soubesse o estrito significado de grupo, talvez as faltas fossem distribuídas de maneira equânime entre os jogadores da seleção brasileira. Por outro lado, quando o comandante da equipe – no caso Tite – afirma que não tirará o protagonismo do jogador, o melhor a se fazer é passar sebo nas canelas.

    Para justificar um desempenho muito aquém do esperado pela descontrolada torcida, Neymar não pensa duas vezes antes de cair à relva. O faz de maneira tão insistente e teatral, que o apelido “cai-cai” não é por acaso. Com o tal árbitro de vídeo, as farsas protagonizadas pelo atacante da seleção perdem força e estão com os dias contados. E só tropeça na sua esparrela quem tem disposição para ser enganado.

    Como citei anteriormente, Neymar está preocupado em ser o melhor de todos. Se isso um dia acontecer, convencerá apenas os que conhecem o futebol pontualmente. Quem teve o privilégio de ver a seleção brasileira de 70 em campo sabe que Neymar e seus quejandos são apenas e tão somente bem acima da média. Nada além disso. Afirmar que são gênios da bola é devaneio nacionalista.

    Por sorte – e para a sorte de muitos – a disputa de uma Copa do Mundo não chega aos pés de uma guerra. Se assim fosse, Neymar desmaiaria no rastro do barulho do primeiro tiro. Desconhece o que é resiliência e abusa da performance teatral para passar a ideia de que é perseguido pelos adversários. Diz a sabedoria popular, “quem sai na chuva é para se molhar”. Neymar, ao que parece, tem medo de água.

    Vez por outra me pergunto: o que muda na vida do brasileiro a conquista de uma Copa? Muda nada, absolutamente nada. A competição acaba, a dura realidade continua a devorar o cotidiano e os jogadores voltam para seus dourados lares com o bolso cheio e a expectativa de enchê-los ainda mais. Diante desse conto do vigário não me rendo. Ademais, há quase quarenta anos condeno com veemência o binômio “pão e circo”. Por isso continuo torcendo pelo Brasil e contra a seleção, algo que assumi publicamente há pelo menos três décadas.

    Sendo assim, o melhor que esse rapaz, Neymar, poderia fazer é deixar de lado a obsessão pelo título de melhor do mundo, abandonar as teatrais e rocambolescas quedas e se acomodar no confortável divã do psicólogo. Quem sabe um dia…

    (*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta e fotógrafo por devoção.