Lava-Jato: Fachin envia ao plenário do Supremo pedido de anulação da delação do grupo J&F

(Werther Santana – Estadão)

Relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Edson Fachin decidiu nesta quarta-feira (27) que o plenário da Corte deve julgar pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre rescisão do acordo de colaboração dos executivos do grupo J&F.

É importante salientar que a medida tomada por Fachin não significa que o acordo será rescindido, mas é grande a chance de isso acontecer, especialmente porque o STF necessita retocar a desgastada imagem da mais alta instância do Judiciário nacional. Antes disso, é preciso dar prazo para a coleta de provas, sem as quais qualquer decisão sobre o acordo será marcada pela arbitrariedade.

No despacho em que encaminha o caso ao plenário do STF, o relator da Lava-Jato dá prazo de cinco dias para que as partes indiquem as provas que pretendem produzir.

Em setembro de 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou ao Supremo a rescisão do acordo de colaboração firmado por Joesley Batista e Ricardo Saud, este último executivo do grupo J&F.

O pedido de rescisão surgiu após a divulgação de informações de que o ex-procurador Marcelo Miller, à época na PGR, teria participado diretamente da negociação do acordo de delação.

A PGR afirma que os delatores omitiram a informação de que Miller participou do acordo de colaboração em favor dos interesses do grupo empresarial, assim como não revelaram a existência de conta bancária no Paraguai em nome de Saud.


Sobre as delações

A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, prevê no artigo 3º que “em qualquer fase da persecução penal serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova”: Inciso I – colaboração premiada; Inciso III – ação controlada.

Com base no que estabelece a Lei, a colaboração premiada tem como contrapartida alguns benefícios ao colaborador, negociados com as autoridades, desde que as informações prestadas sejam passiveis de comprovação. Assim não sendo, o colaborador corre o risco de ter o acordo rescindido.

No caso de Marcelo Miller, o ex-procurador omitiu a informação de que ainda estava vinculado ao Ministério Público Federal quando, atuando em escritório de advocacia do Rio de Janeiro, orientou a delação dos executivos do grupo J&F. De tal modo, a transgressão foi cometida por Miller, não pelos delatores, ou seja, os benefícios devem ser mantidos, sob pena de o instituto da delação sofrer novo e duro golpe.

Sob essa ótica, que está respaldada pela coerência interpretativa, as provas resultantes do acordo de colaboração dos executivos do grupo J&F são nulas, não servindo para embasar qualquer procedimento jurídico por parte do Estado. Afinal, o erro foi cometido por um então agente público, por quem o Estado responde.

Se o fato de não informar a existência de suposta conta bancária no exterior é também motivo para anular o acordo de colaboração em pauta, outras delações devem seguir o mesmo caminho, pois muitos colaboradores da Operação Lava-Jato não revelaram aos investigadores a totalidade das informações que detêm.

Por outro lado, alguns delatores disponibilizaram informações pífias e questionáveis, mas, mesmo assim, conseguiram levar adiante os respectivos acordos de colaboração. É o caso de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, que, agindo a mando do MPF, gravou conversas com políticos conhecidos, as quais resultaram em provas nada consistentes. E o acordo de colaboração está mantido.

Em relação à forma de obtenção de provas por meio de colaboração premiada, as autoridades deveriam esmiuçar como os investigadores conseguem chegar à delação. Quem atua nos bastidores da Lava-Jato sabe que, desde os primórdios da operação, o modus operandi para conseguir provas muitas vezes violou o princípio republicano. Em outras palavras, houve ameaças aos investigados.

De igual modo, deixando de lado as ameaças, muitos acordos de colaboração foram obtidos por meio de pressão psicológica, decorrente do aprisionamento do investigado. Tal situação vai contra o conceito da delação, que deve ser algo espontâneo por parte do colaborador.