(*) Ucho Haddad
Jornalismo independente é o sonho de qualquer profissional de comunicação. Fácil de falar, muito difícil de fazer. Levar esse sonho adiante não é tarefa simples, pelo contrário. É preciso determinação espartana para não sair da rota, mesmo que a necessidade avance sobre o ideal.
Desde que voltei ao Brasil, apenas para ajudar o Brasil, mantive o foco no jornalismo independente, sempre escapando da contaminação. Contudo, jamais fechei os olhos para a necessidade de financiamento do projeto. Não há como fazer jornalismo, independente ou não, sem recursos financeiros. Como obter recursos sem comprometer a independência do jornalismo?
A resposta estava na possibilidade de recorrer a algo que experimentara em minhas andanças mundo afora: o fundraising – ação sem fins lucrativos para manter o UCHO.INFO. Mesmo assim, minha preocupação era a de sempre – manter a independência. A solução estava em sugerir aos leitores para que contribuíssem com o nosso jornalismo.
A contribuição deveria ser espontânea, sem valor definido, sem obrigatoriedade, apesar do nosso apelo para que isso eventualmente ocorresse. Assim foi, apesar de o resultado ter ficado muito aquém, mas muito mesmo, daquilo que imaginei ser justo para manter um jornalismo independente.
Não posso negar que cada centavo foi recebido com o mesmo entusiasmo de um garoto que encontra o seu presente sob a árvore de Natal. Toda contribuição foi muito bem recebida e extremamente útil, mas deixamos de lado as contribuições. Passei a financiar o nosso jornalismo com recursos pessoais, fruto do meu trabalho fora do UCHO.INFO.
Jamais risquei o pescoço de algum leitor com a cimitarra da avareza, exigindo contribuição nesse ou naquele valor. Quem contribuiu o fez de forma espontânea e decidiu com quanto contribuir. E por quanto tempo. Decidiu também quando interromper a contribuição, sem a necessidade de explicar o motivo. E o acesso ao UCHO.INFO continuou aberto, como ainda é e sempre será, até que o Criador entenda que chegou o meu dia de escrever em outras plagas.
Em momento algum, ao sugerir que contribuíssem com o UCHO.INFO, assumi o compromisso de balizar o nosso jornalismo pelo farol da ideologia, seja ela qual fosse. Dessa forma o jornalismo independente desmoronaria tão rápido quanto o movimento do ponteiro de segundos do relógio. Ser independente é agir com autonomia e livre de influências. Assim tem sido o nosso jornalismo desde que o UCHO.INFO estreou na rede mundial de computadores – já estamos a percorrer o décimo sétimo ano de existência.
Com a chegada do período eleitoral, os ânimos se exaltaram e o País foi tomado por uma inexplicável avalanche de ódio, como se isso pudesse decidir uma eleição ou fosse resolver os muitos problemas do Brasil. Até então, denunciamos e criticamos duramente os outrora “donos do poder” e fomos reconhecidos por esse trabalho. Diante disso, muitos decidiram contribuir com o nosso jornalismo porque estávamos a criticar e denunciar integrantes da esquerda nacional.
Volto a ressaltar, a contribuição jamais foi garantia de que deixaríamos de criticar políticos dessa ou daquela corrente ideológica ou pouparíamos candidatos desse ou daquele partido. Jornalismo independente é aquele que não se submete a injunções de qualquer natureza. Críticos, sim, injustos, não. Fiéis aos fatos, sempre, denuncismo, jamais.
Quem contribuiu com o nosso jornalismo nos tempos em que criticávamos a esquerda, hoje se arrepende porque estamos a criticar um candidato da direita. E manifestam esse arrependimento de maneira clara nas redes sociais, como se isso pudesse nos intimidar ou causar algum tipo de constrangimento. De forma alguma, pois estamos tranquilos em relação ao nosso papel enquanto jornalistas, cientes de que é impossível agradar gregos e troianos, palmeirenses e corintianos. Mas a vida segue, assim como o jornalismo sério e responsável que fazemos todos os dias.
Alguns dos arrependidos alegam que deveríamos ser isentos. Até mesmo os que não contribuíram alegam o mesmo. Isenção remete a imparcialidade, mas nós somos imparciais, isentos, isonômicos, adeptos da tese do “pau que bate em Chico, bate em Francisco”.
A questão é que os arrependidos que contribuíram – os que não contribuíram também – querem a todo custo que sejamos parciais, mas isso é impossível. O dever do jornalista é mostrar os fatos como são e analisá-los dentro do próprio contexto, deixando ao leitor a conclusão que lhe convém. Nosso mister não é lavagem cerebral, mas jornalismo opinativo e crítico. E continuaremos nessa estrada com a consciência tranquila e a cabeça erguida, mesmo com ameaças e intimidações. Se tudo isso incomoda, aqui vai o meu usual e inefável bordão: LAMENTO!
Além das acusações de que somos socialistas, esquerdistas, comunistas, marxistas, gramscistas e outros badulaques ideológicos da esquerda, afirmam que estamos a serviço de determinados partidos políticos, que o nosso jornalismo de aluguel foi cooptado por certos candidatos, que alguns banqueiros internacionais que flertam com o esquerdismo financiam o nosso trabalho, que o nosso jornalismo é um lixo. Alegações típicas de quem sofre de anorexia do raciocínio, talvez de bulimia da massa cinzenta.
Aos que contribuíram com o nosso jornalismo independente e agora choram sobre o leite derramado, aqui deixo algumas poucas razões para conter as esférulas do pranto, pois listar todas seria misto de ousadia e presunção:
– Em janeiro de 2004, divulguei com exclusividade as gravações telefônicas relacionadas ao caso do assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel. Alvo de ameaças e processos judiciais, enfrentei os donos do poder com coragem e determinação.
– Em 2005, colaborei ativamente com a CPMI dos Correios, mostrando aos principais parlamentares da Comissão Parlamentar de Inquérito o caminho da corrupção, que tinha em uma das pontas banqueiros financiando partidos políticos.
– Em agosto de 2005, com o escândalo do Mensalão do PT em ebulição, fiz a primeira denúncia sobre o esquema de corrupção que deu origem ao Petrolão. Enfrentei a ira, o poderio e o banditismo dos mentores do esquema, sem temer as consequências. Sequestrada aos 70 anos à porta de casa, minha mãe, após ser libertada, disse com convicção que eu jamais deveria interromper o meu trabalho por causa do ocorrido.
– Em meados de 2005, quando iniciei a investigação sobre o esquema de corrupção na Petrobras que à época já substituía o Mensalão, recusei oferta milionária para interromper o meu trabalho. Preferi a consciência tranquila, mesmo sabendo das consequências que enfrento até hoje, mais de uma década depois.
– Em janeiro de 2009, levei ao Ministério Público Federal denúncia mais robusta e detalhada sobre esquema de corrupção que serviu como embrião para a Operação Lava-Jato.
– Nas eleições de 2010, os presos com sentenças sem trânsito em julgado votaram pela primeira vez na história do País por causa de iniciativa minha, pois o voto é um direito de cidadania.
– Em caso de roubo de um automóvel, o valor do IPVA é ressarcido proporcionalmente ao período que deixou de existir a propriedade porque, para garantir o direito dos cidadãos, como jornalista chamei o Estado à responsabilidade.
– Portadores de deficiência auditiva e com dificuldades de locomoção não pagam IPI sobre aparelhos auditivos e cadeiras de rodas importados porque não hesitei em enfrentar o então presidente Lula.
– Por sugestão minha – insistência também – foi aprovado no Senado e aguarda tramitação na Câmara dos Deputados Projeto de Lei que isenta de IPI, PIS e Cofins os materiais escolares.
– É da minha lavra proposta apresentada a parlamentares, em Brasília, para isentar de impostos as bicicletas produzidas no País, como forma de incentivar o uso de veículos não poluentes.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.