Ao dizer que ‘Escola sem Partido é descabido’, ACM Neto, presidente do DEM, manda recado a Bolsonaro

Quem conhece os meandros da política sabe interpretar nas entrelinhas as declarações dos seus atores. E quando um político destacado faz um discurso no estilo mensagem cifrada, o melhor que destinatário pode fazer é pensar com afinco no recado.

Prefeito de Salvador e presidente nacional do Democratas, Antônio Carlos Magalhães Neto, conhecido no universo da política como ACM Neto, em entrevista à rádio Metrópole, da Bahia, nesta terça-feira (27), não poupou o futuro governo de Jair Bolsonaro de críticas.

Após declarar apoio ao então candidato do PSL no segundo turno, ACM Neto disse ser contra à discussão sobre a “Escola sem Partido”, uma das bandeiras de campanha de Bolsonaro. “Sou contra a discussão da Escola Sem Partido. Alguns falam que os professores estão militando em sala de aula. São exceções que devem ser tratadas como exceções. Mas censurar é completamente descabido”, afirmou o prefeito de Salvador.

O projeto da “Escola sem Partido”, que Bolsonaro e seus apoiadores insistem em aprovar no Congresso, é um tema que certamente acabará no Supremo Tribunal Federal (STF), onde a matéria ainda não foi julgada por problema de agenda. A inconstitucionalidade do projeto esbarra no artigo 5º da Carta Magna, inciso IV, que estabelece: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.


De tal modo, não se pode cercear o direito do professor de manifestar o próprio pensamento em sala de aula, não sendo com o fim específico de doutrinação ideológica. Qualquer medida que venha a tolher esse direito viola de forma flagrante a Constituição e o assunto acabará no STF. Em suma, o que Bolsonaro e seus quejandos desejam é, sim, uma “Escola com Partido”, desde que seja com o pendão direitista.

Sobre o futuro do Itamaraty, que em breve estará sob o comando de Ernesto Araújo, ACM Neto disse que “nada justifica que se imprima uma ideologia de direita no ministério. É um ministério que tem que ter uma visão pragmática”.

A política externa brasileira errou enormemente nos governos petistas por pautar suas ações à sombra do esquerdismo, mas a partir de 1º de janeiro o erro se dará a reboque do direitismo. Araújo, um radical de direita dado à sabujice, pode levar a diplomacia brasileira a situações de dificuldade no cenário internacional.

Em recente artigo, Ernesto Araújo afirmou que pautará sua atuação pelo combate a políticas que, no próprio Itamaraty, compactuam com o que classifica como “alarmismo climático”, “pautas abortistas e anticristãs em foros multilaterais” e a “destruição da identidade dos povos por meio da imigração ilimitada”.

Na política brasileira tudo é negociável, mas Bolsonaro não pode pensar que o Democratas está encabrestado apenas porque três filiados ao partido – Onyx Lorenzoni, Tereza Cristina e Luiz Henrique Mandetta – foram anunciados como ministros. Trata-se de escolha pessoal do presidente eleito, ou seja, o recado de ACM Neto foi claro e direto. Só não entendeu quem não é do ramo.