Bolsogate: enredo rabiscado às pressas por Flávio Bolsonaro não convence e piora o que já era ruim

Todo governo, independentemente da ideologia seguida pelo governante, tem um novelista de plantão, sempre pronto a escrever enredos rocambolescos para anestesiar a opinião pública quando escândalos dominam as manchetes. E no governo de Jair Bolsonaro o quadro não é diferente, principalmente porque o presidente da República foi eleito debaixo do discurso de uma moralidade que agora mostra-se questionável na esteira do escândalo protagonizado por Fabrício Queiroz.

Enquanto assessores palacianos do núcleo duro do governo cobravam explicações convincentes de Flávio Bolsonaro, alçado a posto de destaque no escândalo, um script rico em detalhes era rabiscado para evitar que o presidente da República aterrissasse em Davos, na Suíça, debaixo de intensa pressão. Até porque, Bolsonaro pretende vender aos participantes do Fórum Econômico Mundial a ideia de que é um infante contra a corrupção, o que não é verdade máxima.

A partir dessa necessidade oficial, surgiu o argumento de que Flávio Bolsonaro vendeu um apartamento no Rio de Janeiro e recebeu parte em dinheiro (R$ 100 mil), o que em tese explicaria os R$ 96 mil depositados em sua conta bancária em 48 envelopes, com R$ 2 mil cada. Esse tipo de operação, segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), serve para dissimular a origem dos recursos, ou seja, é o que todos conhecem como lavagem de dinheiro.

Quem comprou o imóvel de Flávio Bolsonaro confirmou o pagamento de parte do negócio em dinheiro, mas isso não justifica o depósito fracionado. Para quem se elegeu na esteira do discurso da ética e da moralidade, esse tipo de operação é fora do tom. Flávio deveria ter recusado o pagamento em dinheiro, substituindo-o por cheque administrativo ou transferência bancária. Mesmo assim, prevalecendo o recebimento em dinheiro, deveria ter feito o depósito do valor integral na agência bancária, não no caixa eletrônico.


O senador eleito tenta agarrar-se à condição de vítima de perseguição por parte dos adversários do pai, mas essa estratégia não convence e deve desmoronar em breve. As desculpas de Flávio são inconsistentes e não se encaixam, o que provoca ainda mais fumaça sobre um caso que já poderia ter sido esclarecido, mas que ainda permanece no limbo da dúvida porque os protagonistas fogem dos depoimentos.

Flávio Bolsonaro comprou R$ 4,2 milhões (valor informado) em imóveis ao longo de três anos, período em que, segundo o Coaf, Fabrício Queiroz movimentou R$ 7 milhões em suas contas bancárias. Em parte das transações, os valores declarados pelos compradores e vendedores são menores do que os usados pela Prefeitura do Rio de Janeiro para o cálculo de impostos.

Em entrevista à TV Record, Flávio afirmou que o salário de deputado estadual (R$ 25,3 mil) corresponde à menor parte de seus rendimentos, sendo que o maior volume advém de atividade empresarial não especificada.

Se Flávio Bolsonaro é inocente, como ele próprio afirma desde o começo, e sua movimentação bancária tem origem lícita, não havia motivo para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para, ignorando outras instâncias do Judiciário, requerer a suspensão da investigação contra Queiroz e a anulação das provas obtidas pelo Ministério Público fluminense. Ademais, beira a bazófia a declaração do parlamentar de que seu desejo era depor ao MP, mas que não o fez por orientação de seus advogados.