Dissimulado, Sérgio Moro decide culpar a imprensa por seus discursos desconexos sobre caixa 2

Diante dos implacáveis efeitos colaterais do poder, nove entre dez mortais não conseguem escapar das nefastas consequências que chegam, inclusive, a levar uma pessoa a mudar de opinião de forma radical. Esse introito explica a mudança de comportamento do ex-juiz Sérgio Moro, que desde sua chegada à Esplanada dos Ministérios vem protagonizando impressionante metamorfose de pensamento.

Na última terça-feira (19), ao apresentar ao Congresso o fatiado projeto anticrime, o ministro da Justiça e Segurança Pública tentou justificar a decisão de deixar à parte a proposta de criminalização do caixa 2, como se a capacidade de percepção da sociedade fosse nula. “Caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves”, disse Moro.

“Houve reclamações por parte de agentes políticos de que o caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, que crime organizado e crimes violentos. Então, acabamos optando por colocar a criminalização num projeto à parte que está sendo encaminhado neste momento. Foi o governo ouvindo as reclamações razoáveis dos parlamentares quanto a esse ponto e simplesmente adotando uma estratégia diferente. Mas os projetos serão apresentados ao mesmo tempo”, emendou o ministro da Justiça, dando a entender que nos bastidores da política tudo é possível.

Em abril de 2017, durante palestra na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, não economizou o vocabulário para dizer o que pensava sobre caixa 2. “Temos que falar a verdade, o caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível. Eu não estou me referindo a nenhuma campanha eleitoral específica, estou falando em geral”, disse o então juiz Sérgio Moro, movido por incrível indignação.


Diante do contrassenso discursivo, Moro passou a ser cobrado pela imprensa e por parte da opinião pública. Para escapar da “saia justa”, o ministro da Justiça, que, tudo indica, veio ao mundo desprovido de carga extra de criatividade, preferiu culpar a imprensa por suas falas desconexas.

“Houve uma má interpretação da imprensa. O que eu disse no passado foi que, quando o dinheiro da propina era dirigido ao financiamento ilegal de campanha, era pior do que [quando gera] enriquecimento ilícito. Caixa dois não é corrupção, é outro crime. Corrupção pressupõe contrapartida. Ambos são graves, e o governo toma posição firme em relação aos dois, diferentemente de qualquer outro”, disse o ministro.

Se há alguém com problema de interpretação nesse episódio, com certeza é Sérgio Moro, pois é preciso reconhecer que a frase “me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral” coloca o caixa 2 em pé de igualdade com a corrupção. Qualquer pessoa com noções básicas de interpretação de texto reconhece de chofre essa equiparação.

A situação do ministro torna-se ainda mais difícil quando analisada a frase seguinte do discurso proferido na Universidade de Harvard, em 2017: “Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível”. Nesse trecho do discurso, Moro potencializou o status do caixa 2 como crime de corrupção.

É compreensível, ao mesmo tempo que inaceitável, que as entranhas do Poder têm seus mistérios e efeitos transformadores, mas para quem chegou ao Planalto Central na condição de Don Quixote tupiniquim contra a corrupção, Sérgio Moro é a “fulanização” fiasco. Mesmo assim, o afora ministro tem a seu favor uma horda de apoiadores abduzidos, que preferem não enxergar o óbvio.