Renúncia de Evo Morales abre vácuo de poder na Bolívia, que vive crise política e momento de incertezas

Agora ex-presidente da Bolívia, Evo Morales renunciou ao cargo no domingo (10), após quase 14 anos no poder. A renúncia foi anunciada durante declaração transmitida ao vivo pela televisão boliviana: “Estou renunciando para que meus irmãos não sejam ameaçados. Lamento muito este golpe civil”, disse Morales.

“Não roubei nada. Se acham, apresentem uma prova. Meu pecado é ser indígena, dirigente sindical, cocaleiro. Quero pedir desculpas por ter sido exigente durante o trabalho. Não foi para Evo, foi para o povo boliviano. Aqui não termina a vida, segue a luta”, completou.

Em seguida, seu vice-presidente, Álvaro García Linera, também entregou o posto. Antes, os chefes das Forças Armadas e da polícia exigiram que abandonasse o cargo, para que a estabilidade e a paz pudessem regressar ao país. Juntamente com Evo e Linera, renunciaram ao cargo os ministros do governo e os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados da Bolívia.

O chefe da instituição militar, Williams Kaliman, e o comandante da polícia, Yuri Calderón, leram declarações separadas, nas quais pediam a demissão de Morales. Reeleito em 20 de outubro para um quarto mandato, ele estava sob suspeita de fraude eleitoral. A Bolívia atravessa uma crise social e política desde o dia seguinte ao pleito.

Horas antes da renúncia, Evo Morales anunciara a convocação de novas eleições, após a Organização dos Estados Americanos (OEA) ter recomendado a medida devido a suspeitas de irregularidades no último escrutínio.

Os Estados Unidos e a União Europeia haviam apoiado a convocação de novas eleições presidenciais na Bolívia. Por sua vez, o principal candidato oposicionista nas eleições passadas, o ex-presidente Carlos Mesa, dissera que o líder esquerdista não deveria se candidatar no próximo pleito.

Horas após convocar novas eleições e depois renunciar ao cargo, Morales afirmou em uma rede social que um policial teria um “mandado de prisão ilegal” contra ele e que “grupos violentos” assaltaram sua casa.

“Denuncio ao mundo e ao povo boliviano que um oficial da polícia anunciou publicamente que foi instruído a executar um mandado de prisão ilegal contra minha pessoa; da mesma forma, grupos violentos assaltaram a minha casa. Os golpistas destroem o Estado de direito”, escreveu ele.


Evo Morales era presidente desde 2006, líder há mais tempo no poder na América Latina. Na eleição de outubro, ele venceu com dez pontos de vantagem sobre o rival Mesa, o que lhe garantiu um novo mandato logo no primeiro turno.

No entanto, a apuração de votos ficou inexplicavelmente interrompida durante quase um dia inteiro, provocando acusações de fraude e desencadeando protestos, greves e bloqueios de rodovias.

Após as demissões no governo, também a presidente do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE), Maria Eugenia Choque Quispe, apresentou sua renúncia “irrevogável” para ser “investigada”, na sequência do relatório da OEA.

O Ministério Público boliviano já anunciou que processará os membros do TSE devido a irregularidades “muito graves” detectadas pela OEA, que podem ter levado a “erros criminais e eleitorais relacionados com o cálculo dos resultados oficiais”.

Vácuo de poder

A renúncia de Evo Morales deixa um inequívoco vácuo de poder na Bolívia. Por enquanto é impossível determinar que comanda o país sul-americano. A Constituição boliviana define a linha sucessória da seguinte maneira: vice-presidente, presidente do Senado e presidente da Câmara dos Deputados. Como mencionado acima, todos renunciaram juntamente com Evo Morales, abrindo um vácuo de poder.

Segunda vice-presidente do Senado, a opositora Jeanine Añez reivindicou o direito de assumir a presidência da Bolívia. “Ocupo a segunda vice-presidência e na ordem constitucional me corresponderia assumir este desafio com o único objetivo de convocar novas eleições”, afirmou Añez em entrevista concedida ao canal Unitel.

Jeanine Añez afirmou que, para assumir o cargo de presidente, é preciso convocar uma assembleia extraordinária do Parlamento, que terá de aprovar as renúncias de Evo Morales e García Linera. “Espero que tenhamos quórum, porque o MAS (partido de Morales) tem dois terços na Assembleia”, ponderou a parlamentar.

Apesar de a Assembleia Nacional Boliviana ter agendado sessão para esta segunda-feira (11), ocasião em que será decidido quem assumirá interinamente o comando do país até que nova eleição presidencial seja realizada, o atual cenário de incerteza e crise política pode aumentar, pois não está descartada a derrubada, pelos parlamentares, da renúncia de Evo Morales.