Eventual área de livre comércio com a China poderá colocar a indústria brasileira à beira do precipício

Durante a campanha presidencial de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro, quando questionado sobre questões econômicas, na maioria das vezes saía pela tangente, até porque é um incompetente declarado no assunto, ou terceirizava as respostas a Paulo Guedes, à época chamado de “Posto Ipiranga”, em alusão à campanha publicitária da homônima rede de comercialização de combustíveis.

Para quem acompanha o jornalismo do UCHO.INFO, não é novidade que Guedes é um liberal na maioria das vezes fracassa quando tenta levar suas teorias ao campo da prática. Essa é a afirmação de três profissionais que trabalharam no mercado financeiro com o atual ministro da Economia e há meses conversaram com o editor deste portal.

Que a fanfarronice oficial lidera a ementa do governo Bolsonaro, assim como ocorreu com alguns que o antecederam no cargo, o brasileiro de bom senso já sabe, mas é preciso cautela diante das incursões palacianas, muitas das quais servem apenas para engrossar o discurso de ódio da virtual milícia bolsonarista.

O mais novo absurdo discursivo do ministro da Economia envolve a China, potência econômica global com quem o Brasil, segundo Paulo Guedes, negocia a criação de uma área de livre comércio. Para quem sempre surge em cena como o último gênio da ração quando o assunto é economia, a fala de Guedes é o que se pode classificar como destampatório.

“Estamos conversando com a China sobre a possibilidade de criarmos o ‘free trade area’ também com a China, ao mesmo tempo que falamos em entrar na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne países que atuam com economia de mercado]”, disse o ministro durante seminário em Brasília.


Paulo Guedes defendeu maior integração entre as duas nações, mesmo que o Brasil seja obrigado a abrir mão do superávit na relação comercial com os chineses. “Eu não me incomodo se, em uma situação de superávit [do Brasil hoje] com a China, nós nos equilibrarmos ali à frente, aumentando as exportações em 50% e as importações dobrando ou mesmo triplicando”.

Qualquer calouro do curso de Economia sabe que essa proposta é suicida, pois o Brasil exporta para o país da Grande Muralha basicamente commodities – minério de ferro, soja e proteína animal – sem valor agregado –, ao passo que a China é conhecida em todo o planeta por ser altamente competitiva em termos de preços de produtos. Ou seja, os chineses chegam a ser selvagens nas relações comerciais, a ponto de estarem em quase interminável queda de braços com os Estados Unidos. Em 2018, a relação comercial entre ambos os países foi favorável ao Brasil em aproximadamente US$ 29 bilhões.

Não se pode negar que os chineses têm capital e disposição de sobra para investimentos no exterior, o que de todas as maneiras interessa ao Brasil, um país deficitário em termos de infraestrutura, principalmente, mas a eventual criação de uma área de livre comércio com o “monstro” asiático colocaria a indústria verde-loura à beira do abismo, em especial por falta de competitividade. Sem contar que em termos de tecnologia os chineses estão a anos-luz na frente.

Não se trata de condenar a aproximação comercial entre China e Brasil, mas é preciso analisar com redobrada cautela uma proposta que poderá migrar para uma parceria problemática e impiedosa. Até porque, se a indústria nacional ainda tenta sair do atoleiro, um acordo como o sugerido pelo ministro da Economia pode ser a pá de cal.

Alguém pode alegar que os salamaleques brasileiros em direção a Pequim são uma forma de dar o troco na Casa Branca, já que Donald Trump prometeu demais a um subserviente Bolsonaro, tendo cumprido quase nada, mas no campo da diplomacia e das relações comerciais é conveniente não misturar estações. No caso de esse ser o real motivo das declarações de Guedes, está provado que a política internacional brasileira, sob o comando do chanceler Ernesto Araújo, é um fracasso.