Caso Paraisópolis: decisão de Dória de afastar PMs é fruto de populismo barato e de interesses eleitorais

No Brasil, a política consiste na arte de muitos hipócritas se equilibrarem nos respectivos cargos. Nesse cenário desolador, o de São Paulo, João Agripino da Costa Dória Júnior (PSDB), não foge à regra. Oportunista conhecido, mas acostumado aos devaneios que embalam a intolerância direitista, Dória recuou em relação ao episódio de Paraisópolis não ter mudado de ideia em relação à atuação da Polícia Militar, mas porque seu projeto político, que engloba uma candidatura à Presidência da República em 2022, exige essa farsa.

Pressionado por moradores da segunda maior favela da capital paulista, o governador decidiu afastar das ruas, até o fim das investigações, os 31 policiais militares envolvidos no caso que resultou na morte de nove jovens. É bom salientar que Doria não mencionou de forma clara, em qualquer momento, a possibilidade de a PM rever o “modus operandi”.

Ciente de que o discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro, não agrada as camadas mais pobres da população, sempre marginalizada pelo Estado brasileiro, como um todo, o governador de São Paulo resolveu pegar carona no populismo barato. Contudo, que ninguém espere mudanças drásticas na política de segurança pública, pois Dória conquistou o direito de se instalar no Palácio dos Bandeirantes na esteira do radicalismo discursivo.

Em 11 de janeiro, em clara tentativa de se aproximar do jeito estúpido de ser do presidente da República, João Dória disse, durante evento, que “em São Paulo, a partir de agora, imobilização do bandido que estiver armado, se ele assim reagir, ele não vai para a delegacia, nem para a prisão. Ele vai para o cemitério”.

Uma declaração absurda como a do governador serve de senha para policiais agirem de costas para a lei, ignorando a obrigação constitucional de garantir segurança à população. Esse palavrório insano leva a elite bastarda ao delírio, pois esse setor da sociedade não tem disposição para enxergar a disparidade social existente no País.

O discurso de Dória foi um repeteco do que disse Jair Bolsonaro durante a corrida ao Palácio do Planalto. Em fevereiro de 2018, o então candidato disse, a uma plateia de mil executivos do mercado financeiro, que a solução para os conflitos na Rocinha era metralhar a maior favela carioca, como se isso fosse proposta de alguém com doses rasas de responsabilidade. Na ocasião, Jair Bolsonaro foi aplaudido pelos presentes ao evento organizado pelo banco BTG Pactual.


“Faz de conta” oficial

Quando o episódio de Paraisópolis ganhou o noticiário e causou perplexidade em vários países por conta da flagrante violação dos direitos humanos, Dória afirmou que a participação do Ministério Público paulista na apuração dos fatos era uma garantia de transparência no curso das investigações.

Faz-se necessário ressaltar que pelo fato de o chefe do MP é indicado pelo governador do Estado, suspeitas no âmbito da apuração são naturais, o que não significa que os promotores sejam venais. Contudo, não se pode esquecer a decisão do mesmo MP de arquivar as investigações sobre o escândalo de corrupção no escopo da Parceria Público-Privada da iluminação pública na cidade de São Paulo, à época em que Dória ainda era prefeito da maior cidade brasileira.

No final de 2018, logo após a eleição de João Dória Júnior ao governo paulista, o MP arquivou o inquérito sob a alegação de falta de provas. Por ocasião da denúncia, um dos promotores do caso, ao tomar depoimento da denunciante, mostrou-se indignado diante da contundência das provas, sendo que em muitas dos áudios os envolvidos no esquema de corrupção se auto-incriminaram.

Além disso, uma das provas mostra de maneira clara que a então primeira-dama da cidade de São Paulo, Beatriz Betanin Dória, conhecida como Bia Dória, determinou a modernização da iluminação do palco do santuário comandado pelo padre Marcelo Rossi, ação que usou recursos públicos. Bia Dória foi chamada ao Ministério Público, mas disse que desconhecia o assunto, apesar de um assessor do religioso ter afirmado em depoimento que a reforma na iluminação do palco só foi possível por causa da ordem dada pela esposa do atual governador. Mesmo assim, os promotores fecharam os olhos e os ouvidos.

Resumindo, que ninguém espere que o inquérito sobre a tragédia de Paraisópolis tenha um desfecho favorável à população local, pois há nos bastidores muitos interesses em jogo, além da exacerbada vaidade dos protagonistas.