“Sim” de Regina Duarte soa a palacianos como convite para retomar investidas contra a classe artística

Quando o nome de Regina Duarte passou a ser considerado para substituir Roberto Alvim no comando da Secretaria Especial de Cultura, a atriz passou a ser vista por alguns setores como alguém que poderia apaziguar as relações entre o governo e classe artística, que há muito travam uma queda de braços marcada por declarações e provocações.

Outrora “Namoradinha do Brasil”, Regina protagonizou uma verdadeira “mini-novela” entre o convite feito por Jair Bolsonaro e a resposta dada, na quarta-feira (29), ao presidente da República, que precisava de um factoide para melhorar sua imagem junto à opinião pública, depois de tantos reveses.

A possibilidade de Regina Duarte descontaminar o terreno que separa um governo totalitarista e retrógrado e a classe artística brasileira era pequena, mas foi minguando com o passar dos dias. No último final de semana, a atriz compartilhou na sua conta no Instagram um vídeo que aborda a tese delirante do “marxismo cultural”, o que mandou ao rés do chão a esperança de muitos.

Ao se reunir com Regina, o presidente da República afirmou que a nova secretária da Cultura terá “carta branca” para fazer as mudanças necessárias na pasta, mas não é essa a realidade dos fatos. Com o “sim” da atriz que levou à telinha a personagem da “Viúva Porcina”, o núcleo duro do governo comemorou o fato de a partir de agora ter como retomar o que muitos assessores palacianos chamam de guerra cultural.

Se Regina Duarte acreditou na promessa de Bolsonaro, é bom se preparar para o pior, pois o que aconteceu na Casa Civil nas últimas 72 horas é uma pequena amostra do modus operandi de um governo retrógrado, que flerta diuturnamente com o obscurantismo e é movido pela intolerância. Sem contar que Bolsonaro é imprevisível e de forma quase recorrente recua em muitas decisões.

Não obstante, a indicação da radical Jane Silva, que faz questão de ser chamada de “reverenda”, como secretária-adjunta é uma demonstração da linha de pensamento que prevalecerá na pasta da Cultura. Para piorar o que já era ruim, a “reverenda” fazia, até recentemente, elogios rasgados a Alvim.

Não é novidade o desmedido apreço de Regina Duarte pelas absurdas teorias defendidas pela extrema direita, mas a nova integrante do desgoverno Bolsonaro não se conteve após oficializar seu desembarque na Secretaria da Cultura. A atriz comemorou o fato no bar de um hotel de Brasília, na companhia de alguns radicais que fazem plantão no Palácio do Planalto.

Pelo que se sabe, convite para participar de uma equipe de governo não é motivo para comemoração, principalmente em local público, mas isso sinaliza que o deslumbramento é o cardápio do momento, com elevada chance de durar pouco. Talvez Regina tenha revivido na capital dos brasileiros um momento “Rainha da Sucata”.

Entre todas as pastas do governo Bolsonaro, as que têm a maior carga ideológica são o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela bizarra Damares Alves, e a Secretaria da Cultura. Não que Regina Duarte discorde desse modelo canhestro, pelo contrário, mas a atriz corre o risco de não suportar a pressão da opinião pública e da classe artística.

Degola na Funarte

Na tentativa de passar uma mensagem pacificadora ao meio artístico, Regina Duarte quer demitir o presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Dante Mantovani, representante da extrema direita tupiniquim que em recente devaneio associou o rock ao satanismo, além de ser entusiasta da teoria delirante do terraplanismo.

“O rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto”, disse Mantovani. “E a indústria do aborto alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo. O próprio John Lennon disse abertamente, mais de uma vez, que fez um pacto com o Satanás”, completou o ainda presidente da Funarte.

Como se fosse pouco, Mantovani defende algumas teses absurdas, que não encontram explicação em lugar algum. Entre elas, a de que o fascismo é de esquerda, que fake news não passa de um conceito globalista criado para impor a vontade da imprensa e que a Unesco é uma máquina de propaganda em prol da pedofilia.

A nova secretária da Cultura está sondando Humberto Braga, que presidiu a Funarte durante a gestão do então presidente Michel Temer. É cedo para afirmar que classe artística aceitará essa mudança na Fundação como “bandeira branca”, mas é sabido que Regina Duarte não terá vida fácil no governo.