“Perdemos o nosso ícone, o camarada Marcelino dos Santos”, informou nesta terça-feira (11) o presidente de Moçambique, Filipe Nyusi. Ele lamentou a morte do homem que marcou a luta pela independência do país, mas ressaltou que ele já fora declarado herói nacional antes de sua morte, aos 90 anos de idade.
Marcelino dos Santos nasceu em 20 de maio de 1929, no Lumbo, província de Nampula. Ele foi um dos fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o grupo que combateu o colonialismo português no país. No período pós-independência, ocupou algumas posições importantes, quando a organização se tornou um partido político e assumiu o governo do país.
Ele foi uma figura central na política moçambicana, considerado um “líder na sombra” dentro da Frelimo, que governa o país desde o fim do período colonial. Marcelino também se tornou um dos símbolos do nacionalismo africano.
Uma das suas maiores contribuições após a independência, em 1975, foi a atuação na construção do Estado. Mesmo tendo sido considerado ainda em vida um herói nacional, Santos não escapou a alguns questionamentos em certos momentos de sua história. No entanto, seu protagonismo na construção do nacionalismo na África e na subsequente edificação dos movimentos de libertação fez seu nome ultrapassar fronteiras e conquistar respeito internacional.
“Ele também imprimiu algo muito importante dentro da Frelimo, que era o respeito pelas coisas públicas, o respeito por aquilo que era da organização, a disciplina, etc.”, destaca o historiador Yussuf Adam. “Marcelino nunca foi presidente da Frelimo. Recebia as funções que lhe eram dadas e as executava. Mas, tinha uma grande característica: era o ‘líder antilíder’, era aquele que conseguia dirigir sem ser o chefe formal, e isso é algo que realmente devemos a Marcelino dos Santos’, ressaltou Adam.
Ele escreveu os primeiros estatutos da Frelimo, após a união dos três movimentos nacionalistas Udenamo, Manu e Unamo. Logo após a independência, Santos foi o primeiro-ministro da Planificação e Desenvolvimento e ao mesmo tempo era o presidente da primeira Assembleia Popular, que liderou até 1994, quando Moçambique realizou as primeiras eleições de sua história.
Mas nem tudo correu sempre bem. Há episódios não devidamente esclarecidos na história do partido e do país que levantaram suspeitas em seus correligionários.
“Marcelino foi o responsável pelo Plano Perspectivo Econômico Indicativo, o grande plano de transformar Moçambique numa economia socialista. Mas é preciso ter cuidado com o que chamo de discurso público e o privado, porque a Frelimo, de uma forma ou de outra, durante muitos anos teve uma gestão coletiva e as decisões eram coletivamente tomadas. No fórum privado poderá haver algumas coisas que poderiam ser menos abonatórias”, observou o historiador.
“O meu problema nunca foi o de ser presidente”
Como em seu caso pesam mais os feitos do que as falhas, em sua terra natal muitos se perguntam por que uma figura de peso como Marcelino dos Santos nunca chegou à presidência. À época se especulava, sem nenhuma comprovação, que ele não poderia concorrer por ser mestiço, fato que o associaria ao colonialismo.
Em entrevista à Rádio Nacional de Angola, em 2006, Marcelino dos Santos respondeu: “O meu problema nunca foi o de ser presidente. Aliás, na Frelimo, nós temos uma maneira de ser que hoje ainda impera: a gente nunca decide o que quer.”
“Eu sei que se falou muito [da possibilidade de suceder o líder Samora Machel após a sua morte em 1986], mas o fato é que não fui. Eu sei lá [porque não foi eleito], vai perguntar àqueles que não me elegeram. Um dia vou explicar bem, estou a preparar as minhas memórias e vou fazer referência a isso, mas que fique bem claro que o que aconteceu, aconteceu corretamente; o fato de não ter sido presidente [da Frelimo] e o fato de não ter sido presidente [da República] quando Samora morreu.”
Na entrevista, Marcelino dos Santos citou uma frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht: “Felizes são os povos que não têm necessidade de heróis.” Entretanto, pela contribuição que deu ao país, à África e ao mundo, não teria sido ele próprio um herói para povos menos favorecidos?
“Eu tenho um grande problema com este conceito de herói. Havia um grande poeta moçambicano que dizia que o herói serve-se morto. Não gostaria de falar nisso, mas acho que ele é um exemplo a ser imitado em muitas coisas e provavelmente deve ser um elemento a não ser imitado em outras. Mas, é alguém que fez uma trajetória política de tantos anos, segurou a Frelimo nas piores das crises e sempre assumiu papeis importantes”, observou Adam.
Sua luta não se limitou ao campo político. A escrita também foi um instrumento que usou para combater, utilizando os pseudônimos Lilinho Micaia e Kalungano. “Canto do amor natural” foi o único livro publicado com seu próprio nome.
Na época em que os independentistas navegavam na onda da poesia de combate, ele publicou poemas no jornal “Brado Africano” em Moçambique e em duas antologias da Casa dos Estudantes do Império, em Portugal. (Com agências internacionais)