Com aprovação do Parlamento, Portugal abre caminho para a legalização da eutanásia

A descriminalização da eutanásia e do suicídio assistido está mais perto de se tornar realidade em Portugal. O Parlamento do país europeu aprovou, na quinta-feira (20), um conjunto de propostas sobre o tema, passo saudado por muitos, mas rejeitado por grupos religiosos e conservadores.

Os 230 parlamentares da Casa votaram ao todo cinco propostas, apresentadas por cinco partidos diferentes, acerca da legalização da prática em casos específicos e sob regras estritas. Todos os cinco textos, muito semelhantes entre si, foram aprovados por uma margem confortável.

“É um dia histórico. É um grande dia para a democracia”, afirmou a deputada Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, autor de uma das propostas. As demais iniciativas foram apresentadas pelo governista Partido Socialista, a sigla Pessoas-Animais-Natureza (PAN), o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) e a legenda Iniciativa Liberal.

Os votos contrários vieram da maioria dos deputados do principal partido de oposição, o Partido Social Democrata (PSD), bem como do Partido Comunista, do conservador CDS – Partido Popular e do único representante do partido Chega, de extrema direita.

As cinco propostas serão agora transformadas num único projeto de lei, que deverá voltar ao Parlamento para uma votação final, ainda sem data definida.

Após aprovação pelos parlamentares, o projeto de lei precisa ser assinado pelo presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa (PSD), que tem poder de veto. Segundo agências de notícias, o conservador tem certa relutância sobre o tema da eutanásia. Mas mesmo que ele rejeite o texto, o Parlamento tem poder de anular o veto se votar mais uma vez pela aprovação.

O chefe de Estado poderia ainda apelar ao Tribunal Constitucional do país para que revise a legislação. A Constituição de Portugal afirma que a vida humana é “sacrossanta”, embora o aborto seja legal no país europeu desde 2007.

Os cinco textos aprovados nesta quinta-feira não divergem muito entre si. Eles afirmam que o requerente da eutanásia deve ser maior de idade, não apresentar problemas mentais e estar em situação de sofrimento extremo, com lesão intratável ou doença fatal e incurável.

Além disso, o paciente terá que confirmar sua vontade várias vezes. Dois médicos, ao menos um deles especialista na doença em questão, e um psiquiatra precisam autorizar o pedido do requerente. O caso é então enviado para um comitê, que pode aprovar ou rejeitar o procedimento.

 
O processo pode ser adiado se for contestado na Justiça ou se o paciente perder a consciência. Os profissionais de saúde ainda podem se recusar a executar o procedimento por razões morais.

Para evitar que pessoas viajem a Portugal em busca da eutanásia ou do suicídio assistido, as propostas estipulam que os pacientes precisam ser cidadãos portugueses ou residentes legais.

A eutanásia – quando médicos administram diretamente medicamentos fatais num paciente – somente é legal na Bélgica, Canadá, Colômbia, Luxemburgo, Holanda e Suíça. Em alguns estados americanos, é permitido o suicídio assistido – quando pacientes administram o medicamento neles mesmos, sob supervisão médica.

Decisão divide opiniões

Antes de os parlamentares votarem nesta quinta-feira, centenas de pessoas protestaram contra as medidas do lado de fora do prédio do Parlamento, em Lisboa. “Eutanásia não acaba com o sofrimento, acaba com a vida”, dizia um cartaz. Alguns manifestantes ainda gritavam “Sim à vida!” e seguravam crucifixos e outros símbolos religiosos.

A Igreja Católica, que é predominante em Portugal, tem liderado a oposição à legalização da eutanásia e do suicídio assistido. Líderes religiosos pediram insistentemente aos parlamentares que convocassem um referendo sobre o tema, mas sem sucesso.

O deputado Telmo Correia, do conservador CDS – Partido Popular, descreveu a eutanásia como um “sinistro passo atrás para a civilização”. Ele criticou que nenhum dos cinco partidos que apresentaram as propostas mencionou o assunto em seus programas eleitorais.

Por outro lado, a deputada socialista Isabel Moreira afirmou que o objetivo das propostas é permitir que alguém “tome decisões íntimas sem precisar infringir a lei”. “Todo mundo pode ser o arquiteto de seu próprio destino, contanto que não machuque terceiros”, disse a legisladora.

Segundo um estudo do Instituto Universitário de Lisboa divulgado nesta quinta-feira, 43% dos portugueses são a favor da legalização da eutanásia, enquanto 28% se opõem à prática e 22% não têm uma opinião consolidada a respeito.

A medida já havia sido votada no Parlamento dois anos atrás, mas foi rejeitada. Agora, são altas as chances de a legislação ser aprovada em votação final, dada a maioria parlamentar conquistada pelos socialistas nas eleições gerais de outubro passado. (Com agências internacionais)