Marcada pela tirania, entrevista de Bolsonaro confirma matéria do UCHO.INFO sobre intenções do presidente

 
Na edição de 1º de abril, o UCHO.INFO afirmou que Jair Bolsonaro aposta na radicalização do caos para abrir caminho a eventual Estado de Sítio, o que daria ao presidente condições de governar como sempre sonhou: de maneira ditatorial. Na referida matéria não houve qualquer exagero de nossa parte, apesar de as falanges bolsonaristas terem se incomodado com nossa afirmação. Para quem conhece os meandros do poder e acompanha a política nacional com proximidade e frequência, essa estratégia do presidente da República é calculada.

Não foi necessário muito tempo para que Bolsonaro provasse que nossa afirmação era verdadeira e embasada na lógica política de alguém que flerta diuturnamente com o autoritarismo. Em entrevista á rádio Jovem Pan, na quinta-feira (2), o presidente externou sua contrariedade com o isolamento social e afirmou que, se quiser, pode reabrir o comércio com uma “canetada”. Ou seja, ditadura pura e simples, como se a ciência e o conhecimento dos especialistas em saúde nada valesse.

“Para abrir comércio, eu posso abrir em uma canetada. Enquanto o Supremo e o Legislativo não suspenderem os efeitos do meu decreto, o comércio vai ser aberto. É assim que funciona, na base da lei”, afirmou na entrevista.

“O presidente pode muito, mas não pode tudo. Nós temos gente poderosa em Brasília que espera um tropeção meu. Estou esperando o povo pedir mais. O que eu tenho de base do apoio são alguns parlamentares, não é a maioria, mas eu tenho o povo do nosso lado. Eu só tomo certas decisões o povo estando comigo”, declarou Bolsonaro.

As duas frases acima não deixam dúvidas a respeito da intenção do presidente da República de, “esticando a corda” ao máximo, alcançar um cenário que abra caminho para o Estado de Sítio, como já antecipamos. E por isso incita a população a sair às ruas e a se rebelar contra as decisões tomadas por governadores e prefeitos, que até então têm se mostrado eficazes na luta contra o avanço do novo coronavírus.

Bolsonaro está sempre disposto a passar por vexames e, ato contínuo, vestir a cangalha do “coitadismo”, como é possível perceber nas suas declarações. Afronta a legislação vigente no Pais de maneira torpe, mas prevendo o insucesso de sua investida busca refúgio na vitimização.

 
Um político que passou 28 anos no Legislativo, mesmo que no chamado “baixo clero” da Câmara dos Deputados, deveria conhecer a estrutura jurídica do Estado brasileiro, que existe sob o manto federativo.

Nesse contexto, não cabe ao presidente da República interferir em decisões tomadas por governadores e prefeitos, pois a estrutura federativa dá autonomia a estados e municípios, exceto em alguns poucos temas, como por exemplo, as questões relacionadas a aeroportos, que são de responsabilidade federal. E nos setores da saúde, comércio e educação, governadores e prefeitos têm autonomia. Em outras palavras, o que Bolsonaro afirmou na entrevista é mero devaneio de um desesperado.

Em que pese o direito do presidente da República de definir, por decreto, as atividades essenciais durante o período de quarentena, governadores e prefeitos podem descumprir a determinação, restando ao Executivo recorrer à Justiça. Como o Supremo Tribunal Federal (STJ) antecipou que barrará qualquer tentativa de Bolsonaro de reabrir o comércio enquanto for necessária a quarentena, o presidente isola-se cada vez mais em sua própria ignorância.

Na estrutura federativa, o presidente da República não pode, por exemplo, determinar a reabertura de escolas ou definir o fim do período de quarentena. No tocante ao isolamento social e à restrição à circulação de pessoas nas cidades, essas são decisões pertinentes aos entes federativos, ou seja, aos municípios, não cabendo ao presidente qualquer poder de ingerência.

Jair Bolsonaro está a confundir calamidade pública com Estado de Sítio, situações que diferem de forma diametral. A primeira libera o Executivo da obrigação de cumprir metas fiscais em casos específicos, como a crise do novo coronavírus, a passo que a segunda dá ao presidente poderes excepcionais, como, por exemplo, a imposição de medidas restritivas a pessoas e empresas, a depender da situação e da vontade do governante.

A única maneira de o presidente revogar decisão de um governo estadual ou municipal é por meio de intervenção federal, medida que, após decretada, precisa ser avaliada pelo Congresso Nacional em até 24 horas. Antes disso Jair Bolsonaro já foi despejado do Palácio do Planalto.