Em novo pronunciamento, Bolsonaro politizou a pandemia e tentou vender o “milagre” da cloroquina

 
Isolado politicamente e com a popularidade em queda por conta de postura incompatível questionável no âmbito da crise do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro fez novo pronunciamento à nação, na noite de quarta-feira (8), em que mais uma vez despejou sobre a população elevadas doses de incompetência, falso messianismo e populismo barato.

“Gostaria, antes de mais nada, de me solidarizar com as famílias que perderam seus entes queridos nesta guerra que estamos enfrentando”, disse o presidente no início do pronunciamento. Para quem até recentemente minimizava as mortes decorrentes da pandemia do novo coronavírus, a hipocrisia de Bolsonaro é nauseante.

Obrigado a demonstrar que ainda detém o poder, depois do fiasco em que se transformou a fracassada tentativa de demissão do ministro da Saúde, Bolsonaro surgiu em rede nacional de rádio e televisão para proselitismo político no escopo da Covid-19. Disse que não foi consultado por governadores e prefeitos acerca de isolamentos e quarentenas, ao mesmo tempo em que transferiu a esses gestores a responsabilidade pelos atos.

“Tenho a responsabilidade de decidir sobre as questões do País de forma ampla, usando a equipe de ministros que escolhi para conduzir os destinos da Nação. Todos devem estar sintonizados comigo”, afirmou.

Esse trecho do pronunciamento foi “de encomenda”, pois o presidente se incomodou com a informação que ele havia se transformado em uma “marionete” do generalato palaciano. Bolsonaro pode até não gostar da ideia, mas a cada patacoada oficial isso fica patente.

Que Jair Bolsonaro está preocupado apenas com seu projeto de reeleição o País já sabe, mas querer escapar da responsabilidade em relação às medidas para o enfrentamento ao novo coronavírus, quando na verdade seu papel deveria ser de liderança em meio à grave crise sanitária, é no mínimo covardia em último grau. Nada que surpreenda quem acompanha de perto a política nacional e conhece o comportamento tosco do presidente da República.

 
“Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade exclusiva dos mesmos. O Governo Federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração. Espero que brevemente saiamos juntos e mais fortes para que possamos melhor desenvolver o nosso país”, disse Jair Bolsonaro.

“As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a própria doença. O desemprego também leva à pobreza, à fome, à miséria, enfim, à própria morte. Com esse espírito, instruí meus ministros”, afirmou. “Tenho certeza de que a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar”, disse em outro trecho do pronunciamento.

Não é novidade que o presidente tem dificuldades em diversas áreas, mas interpretar de forma rasa uma pesquisa de opinião não exige esforço descomunal do raciocínio. Em que pese o direito de Bolsonaro de insistir no discurso de que a maioria da população quer trabalhar, uma recente pesquisa do instituto Datafolha revelou que 76% dos brasileiros são favoráveis ao isolamento social em meio à pandemia.

Em outras palavras, Bolsonaro não quer o ônus das medidas como isolamento e quarentena, mas em caso de bônus já deixou claro que está pronto para ser o primeiro da fila. É enorme a necessidade do presidente de conseguir um trunfo que compense o estrago que o coronavírus deixará na economia, a ponto de comprometer seu projeto de reeleição, mas alcançar esse objetivo na esteira de estultices é algo extremamente difícil.

Por fim, Bolsonaro novamente fez uso político da hidroxicloroquina, medicamento que vem sendo utilizado em fase experimental em pacientes que contraíram a Covid-19 e estão internados, já que os efeitos colaterais exigem acompanhamento hospitalar. Não há até o momento qualquer comprovação científica da eficácia desse medicamento no tratamento da Covid-19.

Quando sua situação política começa a flertar como caos, o presidente da República não hesita em recorrer a expedientes pouco recomendáveis. Ora busca socorro na banda mais radical do bolsonarismo, ora recorre às citações bíblicas como forma de comover os evangélicos.

Ao encerrar o pronunciamento, Bolsonaro mais uma vez citou João 8:32: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará!”. Talvez tenha chegado o momento de Bolsonaro se libertar e acordar para a realidade, para a verdade dos fatos. Se “O Mito da Caverna”, do filósofo Platão, mencionado por Luiz Henrique Mandetta durante recente entrevista coletiva, não serviu para abrir a mente do presidente da República, nossa esperança a partir de agora está em João.