Se há na personalidade de qualquer político um traço que causa náuseas, a covardia certamente disputa o primeiro lugar da fila. E nesse quesito o presidente Jair Bolsonaro não deixa a desejar, pois sua pusilanimidade é conhecida de todo brasileiro de bem.
Na manhã desta quinta-feira (30), quando deixava o Palácio da Alvorada, Bolsonaro disse aos apoiadores que diariamente se aglomeram à porta da residência oficial da Presidência que não havia “engolido” a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a posse do delegado que comandaria a Polícia Federal. Alexandre Ramagem, escolhido pelo presidente para o cargo de diretor-geral da corporação, foi barrado por Moraes sob o argumento de “desvio de finalidade”.
“Se [Ramagem] não pode estar na Polícia Federal, não pode estar na Abin [Agência Brasileira de Inteligência]. No meu entender, uma decisão política”, afirmou um descontrolado Bolsonaro.
“Agora tirar numa canetada e desautorizar o presidente da República, com uma canetada, dizendo em [princípio da] impessoalidade? Ontem quase tivemos uma crise institucional, quase. Faltou pouco. Eu não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não engoli. Não é essa a forma de tratar o chefe do Executivo”, queixou-se o presidente.
“Não justifica a questão da impessoalidade. Como o senhor Alexandre de Moraes foi para o Supremo? Amizade com o senhor Michel Temer, ou não foi?”, provocou Bolsonaro, em referência à indicação de Moraes ao STF pela então presidente da República.
Com a repercussão negativa de suas estapafúrdias declarações, com direito a desagravo por parte dos ministros da Corte e de representantes do meio jurídico de todo o País, Bolsonaro foi aconselhado a mais uma vez desdizer-se. À noite, o presidente, em nova demonstração de covardia, disse que suas declarações acerca do tema foram apenas um “desabafo”.
“Fiz um desabafo hoje de manhã. Não ofendi pessoalmente ninguém nem instituições. Tenho plena convicção disso. Apenas me coloquei no lugar do delegado da Polícia Federal Ramagem, que numa liminar monocrática do Supremo Tribunal Federal, ele foi impedido de tomar posse”, declarou o presidente da República, que por certo foi avisado que suas palavras poderiam trazer novos problemas no Judiciário.
Poço de mágoas
O ministro Alexandre de Moraes, que em decisão liminar suspendeu a posse de Ramagem no comando da PF, tomou por base as graves acusações feitas pelo então ministro Sérgio Moro, que deixou o cargo “atirando” na direção do Palácio do Planalto.
Para desespero do núcleo duro do governo, Moro apresentou horas depois da demissão algumas provas que complicaram sobremaneira a situação do presidente. Tanto é assim, que no pronunciamento que fez no final da tarde da última sexta-feira (24), Bolsonaro, visivelmente nervoso e transtornado, amainou o palavrório.
Relator do inquérito que apura as acusações feitas por Moro, o ministro Celso de Mello, do STF, fixou prazo de cinco dias para que o ex-juiz da Lava-Jato preste depoimento à PF.
Sérgio Moro já se colocou à disposição da Justiça para depor e afirmou que tem provas contra o presidente da República. “Reitero tudo o que disse no meu pronunciamento. Esclarecimentos adicionais farei apenas quando for instado pela Justiça. As provas serão apresentadas no momento oportuno, quando a Justiça solicitar”, afirmou o ex-ministro.
Sobre a decisão de divulgar trechos de conversa, pelo WhatsApp, com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), o ex-juiz afirmou que precisava provar o que dissera durante a entrevista em que anunciou sua demissão.
“Eu apresentei aquelas mensagens. Não gostei de apresentá-las, é verdade, mas as apresentei única e exclusivamente porque no pronunciamento do presidente ele afirmou falsamente que eu estava mentindo. Embora eu tenha um grande respeito pelo presidente, não posso admitir que ele me chame de mentiroso publicamente”, ressaltou Moro.
Considerando que Sérgio Moro, por sua formação acadêmica, deve saber que na seara do Direito não se acusa sem provas, a situação do presidente da República é extremamente desconfortável e torna-se cada vez mais difícil.